terça-feira, 21 de julho de 2009

Parece ter sido um sonho

Pensamos que vimos tudo na vida, mas muitas vezes nos surpreendemos com as novidades históricas que tiramos de dentro do baú. A História recente do país - a cruel fase dos militares no poder - podemos ver hoje, com todas as cores, dores e fedores sem que nos proibam, porque a censura malsã era amiga das forças dominantes, e essas forças ditavam o que podiamos ou não fazer.
Tanta gente morreu por um ideal; o ideal de liberdade, essa coisa mágica que parece tão natural, tão evidente e inerente a cada cidadão, essa mesma liberdade era um item mal visto pela ditadura.
Mãe perderam filhos, mulheres perderam maridos, filhas sumiram sem dizer um ai que fosse, irmãs, sobrinhas, um universo humano que sonhava em poder dizer tudo, sem mordaças.
Naquele tempo, como agora podemos também perceber, a humanidade era sórdida. O inimigo vestia farda, recebia ordens, planejava, fazia armadilhas, sumia com testemunhas, com corpos, e acreditaram todo o tempo que ficariam impunes.
É preciso reler a história da História. Buscar nas fontes, nas pesquisas, saber o que os que sobreviveram têm a dizer. Sobreviventes dignos, que trazem as cicatrizes de uma era trevosa e maldita. Infelizmente muitos se perverteram. Trocaram as roupas puidas do exilado pelas grifes modernas e caras, investiram na carreira pública e deram mostras de quão frágeis são no que concerne a caráter e probidade.
Já se disse, e eu concordo, que caráter podemos mudar; o que não podemos mudar é a personalidade. Alguns egressos do exílio tornaram-se proeminentes, a luta do passado enegreceu-lhes as lembranças e o "vamos levar vantagem" tornou-se uma prioridade compensatória, até porque o poder, de per si, é uma força, uma energia que envolve e inebria, que puxa a alma do sujeito e faz com que ele aja diametralmente oposto às coisas que ele, outrora, combatia.
A humanidade é sordida? Sim. Vemos isso nos confins do planeta. Em sociedades tão díspares a dividir opulência com misérias extremas. A ficção só nos convida a visitar esse mundo que revestem de um glamour falso, e quando vemos a riqueza de uma cidade mal nos damos conta da miséria que bordeja pelas suas margens, daí dizer-se que são periféricos, anônimos, sem rostos, a voz emudecida pelas incontáveis injustiças, onde saúde, transporte e decência não têm espaço para ocupar essas bordas simultaneamente.
Parece que eu sai de um sonho. Acordei e descobri que vivi de forma indulgente, alheio, ignorando que para eu ter o que tenho foi preciso que muitos morressem, e ficassem esquecidos.
Estou amargo, sim. A amargura de Cristo não deve ter sido fácil. Eu nem me arrisco a imaginá-la, mas a diferença é que Ele era quem era, enquanto eu ainda encaro isso com ódio, muitas vezes, e me aflijo quando descubro coisas terríveis, que viveram ocultas e porque preservavam os direitos constitucionais de certos bandidos.

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