terça-feira, 27 de setembro de 2011

Suportar

Suportar.
A tudo suportar.
Suportar.
Sem nunca reclamar.
Suportar.
Olhares, críticas, ofensas.
Suportar.
E nunca esmorecer.
Suportar.
O calor da refrega.
A guerra.
O palavrão.
Suportar.
A ofensa dirigida.
O ódio sem medida.
A covardia.
O medo.
Suportar.
E continuar acreditando.
Suportar.
Os dias ruins.
Mas acreditar no sol.
Nas estrelas piscando.
O ar enchendo os pulmões.
Suportar.
Ter forças pra suportar.
Enfrentar ainda que com medo.
Suportar.
Porque vitórias também fazem parte.
Suportar.
E baixar os olhos e orar.
Mesmo que o cheiro seja insuportável.
Suportar o cheiro, também.
Isto é o Mundo.
Imenso.
Injusto.
Varrido por doenças.
Por guerras.
Por tiranias.
Suportar.
E ter esperança.
Além do brilho das estrelas.
Suportar e esperar.
Suportar e perseverar.
Suportar e preservar.
A sanidade.
A fé.
Porque além das estrelas que brilham
Há mundos,
E mundos,
E mundos.
Por isso não será
Tão difícil
Tão improvável
Suportar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Os caminhos são circulos

Retomei o meu caminho. Não porque tivesse deixado de andar, mas porque caminhara em outras direções. Mas todas elas, para surpresa minha, me conduziriam, tempos depois, ao mesmo ponto de partida. A mim mesmo. E ao parar para refletir a respeito eu me deparo com a verdade dos fatos. Não digo apenas A Verdade, mas a verdade dos fatos. O sentido exato, a medida certa, o que fica devidamente comprovado, medido e regulamentado. Aquilo que acaba sendo a nossa consciência a respeito de cada assunto. A Verdade, em si, é a consciência que temos de cada coisa. E quando me referi que retomava o meu caminho é porque eu sempre caminhei. Porém a Vida é e sempre será a reunião de pessoas e circunstâncias que dão sentido à nossa razão. O louco não se dá conta da Vida porque está numa faixa mental onde Vida e Não-Vida são a mesma e única coisa. Não peço nem quero que concorde comigo. Não estou aqui para buscar o aval de ninguém. O registro histórico deste momento é o que tem lógica para mim. O instante seguinte poderá ser exatamente o oposto de tudo isso a que me referi. Assim, compreendo que os caminhos que tomamos formam circulos que vão se expandindo, mas sem perder o prumo, a forma e o sentido geométrico do movimento. Não somos nem melhores nem somos piores do que fomos ontem. Somos apenas a consequência de pensamentos e atitudes, de reflexões e raciocínios que, a trabalhar de forma continua e minuciosa, não dão chance a que a mente possa ficar ociosa ou parada. Se melhoramos, ótimo! Se pioramos, que fazer? Certamente o ônus dessas duas ações acabam por se refletir na própria vivência. Os caminhos podem ser suaves como podem ser acidentados e irregulares. A Vida pode ser um heavy metal como um concerto bachiano. Aliás ouço Von Karajan, Concerto "A Primavera" de Vivaldi. Antes ouvira Apocalyptica com Nothing Else Matters. Ou Eric Clapton com Holy Mother. Ou apenas um profundo silêncio, ouvindo os zumbidos em meus ouvidos, como moscas presas a bater contra a vidraça.


sexta-feira, 25 de março de 2011

Nem Kafka acreditaria

A conversa de bastidores da mídia, do governo, do Congresso Nacional, é menos a quantidade injustificada de corruptos de frequentam o ambiente e mais os motivos que levaram o Judiciário de postergar a decisão da Lei Ficha Limpa para um momento seguinte mais oportuno. Eu não vou entrar no mérito jurídico, porque não sou advogado. Se tanto sou um porcaria de um cidadão perplexo testemunhando uma imensidade de notícias odiosas e impensáveis sobre tráfico de influência, de dinheiro em pacotes sendo entregues a congressistas, gente com passado pra lá de nebuloso se candidatando (e assumindo) seus postos nos vários setores do governo, a porrada do crime comendo solta pelas ruas, a vida valendo menos que um monte de cocô de cachorro, e tendo que ficar absolutamente mudo, quieto e estarrecido. Este cidadão aqui tá pra lá de Marrakesh mesmo! Se me colocam em camisa-de-força e me internam, será pouco. A loucura que tomou conta de nossas vidas cotidianas é muito mais surreal e real do que o mais genial dos ficcionistas poderia imaginar e conceber como obra literária. Hoje, se Kafka estivesse vivo, certamente ao morrer seu desejo de ver sua obra destruída seria amplamente acatada sem reservas. Nem teria sentido imaginarmo-nos virando inseto. Afinal, Brasilia está infestada deles. Grandes, gordos, insaciáveis. Nem Camus teria condições de continuar com o espanto de seu Mersault em O Estrangeiro.Vidas Secas, de Graciliano Ramos já pontuava, naquele tempo, a situação esdrúxula por que vivia o nordestino brasileiro. Terá mudado alguma coisa nessas últimas décadas? E olha que já viramos o século faz algum tempo. Os coronéis continuam deitando e rolando regras de conduta e procedimentos para manterem vivos e sob controle os seus feudos. As capitanias hereditárias continuam tais e quais eram nos tempos que a Coroa Portuguesa controlava este país. Mudamos? Mudou algo? Em que pé, afinal, estamos? A melancolia e certo pessimismo que me anuvia a mente faz sentido na medida que observo que nem mesmo eu verei uma vida pública e política saudável e voltada exclusivamente para o bem-estar do cidadão. Esse mesmo cidadão que paga imposto, que é, aliás, obrigado, oprimido, coagido a pagar impostos. De outra maneira como é que o governo poderia manter a sua máquina administrativa gastadora funcionando? Vez ou outra uma notícia de que alguns trens estariam sendo postos em funcionamento num projeto quase utópico de tornar o transporte ferroviário bom, decente e barato. Continuo a acreditar em Papai Noel. Sim, porque na medida que o anúncio vem - e toda a comitiva governamental atrás do porta-voz a falar - é diametralmente calculado o efeito que isso fará nas mentes dos cidadãos para a próximas eleição. Depois, tem a história das pesquisas que medem os níveis de aceitação e/ou rejeição do político. Quer queiram ou não a verdade é que eles dependem dessa maratona verborrágica e marqueteira para continuarem vivos no cenário nacional. Após o evento "Lula Aqui" onde os números de aceitação extrapolaram quaisquer presunções contrárias da oposição, ficou estabelecido o padrão lulista: faça tudo que for preciso fazer para manter-se no poder, mesmo que seja preciso mentir, maquiar, fingir, puxar tapetes, cordões de influências e o diabo a quatro. Em política, vale tudo. Há quem diga que tem muita gente que até vende a mãe. E o pior é que entregam a encomenda. Este cidadão, hoje, necessariamente, não confia nem em pesquisas nem em verborragias com falso brilho de inteligência. O termômetro deste cidadão está no preço do etanol, que está emparelhado com a gasolina, no alimento nas prateleiras dos supermercados, no custo dos serviços públicos cobrados e nebulosamente calculados sempre a favor da operadora. Enfim, este cidadão aqui custa a crer que tenha chegado à idade que chegou e ainda ouça ecos do seu pai falando sobre carestia, inflação, etc, etc. Bem maquiados os números, continuamos a bancar a ação perdulário do governo enquanto pagamos indiscriminadamente tudo que nos cobram, centavo por centavo. Melhoraram os cenários e as paisagens, mas o espírito medieval dos senhores de feudos continua vivo e atuante. Diria mesmo irretocável. Creio mesmo que Kafka ficaria tão assustado que não teria volúpia para escrever histórias fabulosas nem criar uma linha literária aclamada e elogiada pelos críticos e leitores. Certamente morreria anônimo, aposentado a ganhar uma merreca de salário, longe dos luxos e mordomias que grassam por ai, e assombrado tanto quanto o seu Joseph K. quando se deparou transformado, talvez, numa grande, gorda e repugnante barata.

sábado, 19 de março de 2011

Sempre é véspera de alguma coisa

Hoje, amanhã, depois de amanhã, não sei, qualquer dias desses no futuro, esse dia será véspera de algo, de alguma coisa que acontecerá por força deste ou daquele motivo. Como o que vemos hoje nos jornais, tragédias, mortes, a desvalorização gradual e sistemática da vida, a força do poder humano, as formas humanas (e claramente decadentes) dos regimes políticos, enfim, o homem - e a humanidade, por extensão - está a um passo de cometer uma insensatez da qual não tenha tempo de se arrepender.
Hoje, um sábado frio, úmido, outonal, começa uma nova fase climática e visceral do homem, da sociedade, das cidades, do país, e do mundo de modo geral. Aqui está assim. Lá, no outro continente, sabe-se lá que tipo de fato estará ocorrendo. Postei um video de uma música que fez parte da minha história, do garoto, do jovem, do adolescente, que viu ou quase percebeu a desgraça que foi a sequência de guerras por que passamos e que o mundo, como conhecemos, foi palco.
Especificamente o Vietnã foi o que mais marcou. Depois dele vieram os regimes mão-de-ferro na América Latina - da qual não escapamos - e Eve Of Destruction é uma síntese da batida compassada de uma melodia lenta, monótona e crescente a declamar um poema onde vísceras e esperanças se expõem lado a lado, porque ao que vê mortos resta esperar que ele, e outros como ele, sobrevivam.
Foram dias vesperais de outros dias que viriam e trariam outras formas de dores, mortes e esperanças.
Sempre é véspera de alguma coisa. Sempre será. Hoje, amanhã.
Só não podemos permitir que essa doença viral procrie e prospere em nossas entranhas, como um ser alienígena devorador. Não deixemos que o ódio nos consuma. Não deixemos que a perda de interesse pela vida nos conduza à morte anunciada e previsível. Não que ela seja uma abstração, ela é real, vívida, presente, e filosoficamente falando é uma continuidade modificada disto tudo que vivemos. Mas enquanto vivos nas atuais circunstâncias, há-que valorizar a vida, não permitir a impunidade ao que a arranca de nós, não permitir que ele (ou eles) se sinta distante e protegido na sua imunidade doentia.
Que hoje seja véspera de um amanhã esplendoroso, que os outros não sejam considerados diferentes, mas sejam apenas os outros, porque nós, aos seus olhos, também seremos outros. A cor, a etnia, a crença, seja qual for o pretexto que se crie para estabelecer discrepâncias e segregações, antes nos façamos conscientes para irmos diante do espelho e olhemos os nossos rostos, e pensemos bem o que vamos fazer. Pode ser que o que venhamos a fazer não tenha como ser corrigido depois, no minuto seguinte.
Terá sido, também, véspera de algo que pesaria amarga e dolorosamente em nossas consciências.

Barry McGuire - Eve of Destruction

The Moody Blues - Talking Out Of Turn

sexta-feira, 11 de março de 2011

Reflexos versão 1

Hoje o Japão é hoje notícia trágica no noticiário do mundo todo. A tragédia que se abateu tem nome e se chama tsunami. Um tsunami acompanhado de terremoto. E olhando as imagens pela TV pode-se perceber a extensão da violência com que a natureza age. Não a violência movida por ódio, mas pela força natural. Uma força tão visceral que os carros, barcos e caminhões, além das casas, eram como brinquedos jogados numa banheira. O mar estendendo-se parecia um corpo vivo que ia aumentando progressivamente de tamanho, como que de braços abertos tentando abraçar tudo que estivesse à sua frente.

A pequenez humana era perceptível pelos veiculos que ainda trafegam nas vias marginais, à beira do trágico curso d'água, o que demonstra quão frágeis somos quando algo parecido com isso cai sobre nós. O único sentimento que pode nortear alguém nessas horas é tentar desesperadamente salvar-se. Tudo o mais é apenas resto, sobra, algo que se pode, no futuro, repor no lugar. Não a vida. Ela não substitui outra vida extinta.

Mas o que de fato incomoda e induz à reflexão é essa transitoriedade. Nada realmente dura o tempo suficiente para nos obrigar a sermos tão arrogantes, tão inflexíveis, tão estupidamente tolos de imaginar que, salvo engano meu, fazemos coisas que possam durar, se tanto, como as pirâmides. Estas, que por sinal, já sofrem um processo virulento de erosão provocado por nós mesmos. Então, por que ficar aqui brigando nessa disputa infeliz de saber quem é que vai pegar a última pedra de gelo da última bebida do dia?

Fechar essa conta, ter a estatística macabra dos mortos, levantar os números dos prejuízos decorrentes é apenas uma das muitas coisas que o governo e o povo japonês terão que fazer. A única coisa que eles não poderão fazer de forma competente é, como disse, repor as vidas que foram tomadas.

Hoje, pela manhã, um nó górdio surgiu na minha garganta. E ele continua no mesmo lugar, tão assustado e apreensivo quanto eu.

Como diria o poeta latino: sine verbis. Estou sem palavras.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Reflexões são reflexos?

Somos seres filosóficos, ainda que muitos neguem. Pensamos, logo, temos uma noção clara de que existimos. Se Descartes não houvesse chegado a essa conclusão, talvez alguém, depois dele, chegasse a essa mesma conclusão. Em linhas gerais, o que desejo escrever - buscando motivação, estímulo, ideias e remexendo a minha cabeça - não é bem sobre esse ser filosófico, por mais estranha que isso possa parecer, mas dos reflexos que as nossas reflexões - e digo nossas no sentido universal do conceito - podem produzir a cada momento de estanque, quando invariavelmente paramos para "pensar".

Reflexões são flashes que espoucam na cabeça e trazem consciência de certos conceitos com os quais vivemos, convivemos e muitas vezes não compreendemos.

Elas podem muito bem trazer para nós um bem-estar intenso e prazeroso, mas também podem, em certas ocasiões, nos invadir o íntimo e literalmente estragar o nosso dia. Para os que têm certa facilidade em pisar o terreno do pessimismo, diria que certas reflexões são verdadeiros tsunamis na vida de certas pessoas.

De certa maneira não é totalmente errado dizer que certas ocasiões devemos viver na flauta, alheios e alienados, para podermos viver bem. E essas pessoas, que atraem tragédias e vivem com a nuvenzinha preta sobre a cabeça, são verdadeiros imãs com alto teor de magnetismo. Não que elas não devam refletir. Mas elas precisam tomar cuidado quando fazem isso. Talvez por isso é que os nativos desta terra ensolarada, de muitas praias, que o estereótipo do turismo faz recortar-se por coqueiros, muita gente bonita tomando banho de sol, com pouca roupa, que parece viver a vida por impulso e andando no arame, a impressão é que filosofia, para elas, antes de ser algo bom e produtivo é, na verdade, um troço chato, antigo e antiquado. Ou seja, pensar e meditar sobre as coisas que nos influenciam e atuam em nós e em nossas vidas é uma coisa inadequada e inoportuna. Melhor que ficar filosofando é ir ao estádio assistir a um jogo, brigar com a torcida adversária, xingar a diretoria, os jogadores e os juízes, e no meio do caminho para casa quebrar alguns telefones públicos, depredar algumas latas de lixo, chutar cachorros magros, e vandalizar-se um pouquinho para manter o perfil de um pessoal antenado na atualidade.

Acho que, de algum modo, fiz uma reflexão. E o reflexo dela vem depois, quando percebo que todas essas imagens que modelaram o texto tornaram-se vivas e presentes, e posso até sentir o cheiro enjoativo de sangue e suor, as luzes dos carros da polícia, os cacetetes cantam alto no lombo dos incautos e menos espertos, aquele alvoroço todo pondo todo mundo ao redor em polvorosa, e então me dou conta que a nossa vida cotidiana é bem isso que escrevi: ou as brigas são dentro do estádio ou são fora. Além do motivo futebol (que ativa o sentimento de ódio e disputa com a torcida oposta) há outros motivos. A frustração de não poder mudar o que está aí, na vida pública por exemplo. Não poder enfiar certos políticos na cadeia, porque há leis que protegem, há imunidades que impermeabilizam, há espírito de corpo que defende os iguais porque, defendo um todos se defendem de modo geral.

Há a corrupção flagrante, galopante, constante e operante, que parece não ter começo e nem esboço de que tenha fim. Os desvios de verbas. As ideais mirabolantes de Copa do Mundo e Olimpíada para sugar o dinheiro público por meio de dispositivos legais que blindam os infratores e, assim sendo, oficializam o processo do "quando mais melhor". Dinheiro, até onde eu saiba, nunca é demais, principalmente em se tratando de políticos de carreira.

Esses reflexos dessas reflexões acabam por me incomodar sobremaneira. Confesso que me afetam a ponto de me irritar. Fica muito bravo, para não dizer outra coisa. Bravo e fulo! Por mais tacanha e obsoleta que seja a expressão, "ficar fulo" me lança para um mundo circense onde a pantomima que satiriza personifica muito bem esse estado de impotência que sofremos, em particular os que pensam demais... ou apenas pensam um pouco e o suficiente para ficarem "fulos da vida".

Portanto os reflexos das reflexões, dependendo do tipo de reflexão que se faça, acabam por incomodar mais do que a própria ideia ou conceito sobre o qual nos debruçamos. Nem tanto o ato criminoso nos incomoda, mas o fato de perceber que ele existe, é real, todos sabem que existe, a lei define bem claramente o que pode e deve ser feito àquele que infringe, e que tudo fica apenas no "um dia, quem sabe, isso tome um rumo", como se apenas esperança resolvesse o problema. Esse reflexo cáustico e doloroso, esse sim, inflige, um sentimento de profundo desconforto e intranquilidade. Por mais sério e contido que você possa ser, há certos momentos que a paciência parece reduzir-se a um tênue fio de linha presa a dois pesos de aço. O que desrespeita impõe-nos uma dor íntima muito grande, tão intensa, que depois de algum tempo nos damos conta de que tudo nada mais foi que reflexo de um instante de suprema lucidez.

Não sem razão, certa ocasião, ouvi (ou li, não me lembro ao certo) a frase que ficou marcada em minha memória: "Excesso de lucidez cega". Talvez tenha sido uma frase de uma novela. Não importa. Mas eu tenho que dar a mão à palmatória: que cega, cega! E como doi!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

As ruas são o reflexo da nossa loucura

O que causa mais impressão é que aqueles que deveriam dar o exemplo é que são os primeiros a serem apontados pela má conduta. Eu me refiro aos policiais e os que têm a função de fiscalizar. O trânsito, mormente caótica, fica ainda mais quando nos deparamos com atitudes destrambelhadas de viaturas utilizadas pelo policiamento e pelos servidores da Cia de Tráfego, a agirem como se tudo pudessem fazer, não nos cabendo sequer o direito de resmungar. Ajuda muito a piorar a situação algumas empresas que insistem em utilizar a calçada – que teoricamente é, ou seria, do pedestre – para esticar os seus serviços de valets , restando-nos a grande possibilidade de, andando junto ao meio-fio, sermos atropelados pelos tresloucados motoristas desta enorme Panela de Pressão.

O olhar crítico acaba sendo uma coisa óbvia. Ignorar é negar a sua cidadania e seus direitos. Por outro lado saber os direitos e as obrigações não tem resolvido muito a nossa vida. Nós sabemos, mas e eles? Andando a milhão como se não tivessem freios e as ruas fossem pistas de provas, os motoristas abusam da nossa paciência e da nossa sanidade. Eles acham que temos que encarar tudo da melhor forma possível. Para eles, e para os que teriam que observar e aplicar multas e severas penalidades aos abusados, é como se nada esteja acontecendo. A cada dia a cidade se torna mais selvagem, mais desumana, mais distante do equilíbrio e da racionalidade. Guardando as devidas proporções, até porque ainda não chegamos lá, a cidade lembra às vezes aqueles cenários fantásticos da ficção científica, onde o que resta de humanidade tem que conviver com o embrutecimento do resto da população, que pirou.

Há um filme bastante interessante, que parece não ter tido uma trajetória de sucesso, mas que tem um conteúdo crítico bastante inteligente, chamado EPIDEMIA, que coloca de forma contundente essa ‘transformação’ por que passa a população de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos.

Ampliemos essa pequena cidade provinciana, e coloquemos isso a acontecer numa megalópole como São Paulo, e certamente, num tempo médio razoável, veríamos certas ‘coisas’ acontecerem de forma tão surpreendente que aos poucos a mídia escrita e eletrônica perceberiam que ‘algo, de fato, está acontecendo, e não parece ser nada bom’. Teriam que noticiar. Os jornais, os programas matutinos e vespertinos abririam espaço para comentários e observações, até que a própria mídia fosse inapelavelmente atacada e a repercussão cessaria, até que a notícia (e a conseqüente realidade) morresse ou fosse ignorada porque todos, salvo algumas raríssimas exceções, conseguiriam perceber que o resto da humanidade tinha começado a ser destruída.

Por que insisto em falar a respeito de realidade e ficção? Porque ambas se mesclam. O que era outro dia ficção é hoje a mais cândida realidade. E mesmo agora, enquanto redijo esse pedaço de texto, e reflito no que escrevo, muita coisa que era um sonho, uma maluquice de uma mente cheia de idéias, tornou-se factível e faz parte do cotidiano dos cidadãos. Quando naquele dia o homem conseguir teletransportar-se de um ponto a outro, como era feito em Star Trek, a série, então, com certeza, teremos chegado ao ponto culminante de que a maluquice só é maluquice até que se torne plausível e, quem sabe, popular até demais. Já não será privilégio nem de Kirk e Spock. Nem precisaremos, talvez, ter orelhas pontudas ou inteligências exacerbadas de verdadeiros gênios, para gozar as benesses desses avanços. E ainda assim, naquele momento histórico único, alguém achará que o tempo de teletransporte está muito lento!

Mas eu dizia que o que me causa impressão são os exemplos que não vêm daqueles que exigem de nós essa conduta impoluta e absurdamente correta. Reparando nas coisas que acontecem pelas ruas da cidade dá para entender que alguma enzima esteja atuando nos cérebros e provocando essas alterações tanto de humor como de comportamento. O sujeito fica selvagem, terrivelmente violento e perde a compostura na linguagem e nos gestos. Tudo porque não quer ceder nada, mas quer que cedam a ele. Porque alguém disse que o Eu é muito importante, e tem que ser satisfeito a todo custo, as pessoas deixaram de lado a sua boa educação, o gesto delicado e consciente, a gentileza para assumirem o lado negro e sombrio de suas personalidades. Um olhar apenas basta para que interpretem como uma provocação. E se além do olhar o outro resolver falar alguma coisa, essa alguma coisa virá como ofensa explícita e a batalha campal entre ambos estará proclamada para já.

Ontem assisti o filme Tropa de Elite 2, e confesso que nunca me senti tão bem vendo o Coronel Roberto Nascimento socar com vontade o Secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro. Tudo porque ele sabia que esses tais políticos estavam por trás do atentado que sofrera sua família, e que vitimara seu filho Rafael.

A realidade é diferente? Aquilo era apenas ficção? Sim, a apresentação inicial do filme fala-nos isso. Mas eu recomendaria que vissem aquilo como a mais pura e honesta realidade. É isso mesmo que acontece neste país. Com nomes trocados, sim, mas são as mesmas personagens, o mesmo país, a mesma cidade, os mesmo vícios, os mesmos bandidos, a mesma violência, a mesma impunidade, a mesma cegueira que afronta o bom senso e nos insta a pensar até quando tudo isso (ou aquilo) continuará a acontecer.

Um dos melhores filmes brasileiros que vi. Há violência, a menção ao tráfico, à corrupção, sim, há. Mas é essa a nossa cruel realidade. É isso que acontece todos os dias e que migra para os jornais, as rádios e as televisões. Quem assistir não se assuste, nem se escandalize. Seria hipocrisia fingir rubores e alguma indignação. Indignados deveríamos ficar todas as vezes que os políticos, corporativamente, usando de seus atributos, vantagens e privilégios, lesam e enganam o povo e se locupletam de todos os modos e maneiras, seja qual for a alegação que usem para justificar suas tramóias.

A loucura das ruas é apenas o reflexo da deseducação por que vem passando a sociedade brasileira, seja a nível de escolas ruins e cursos capengas, como da perda irremediável da educação do lar, porque nem lares normais temos tido. Depois da ascensão da mancebia como alternativa opcional (e facultativa) para ver se a relação a dois vai dar certo, o casamento tradicional vira, lenta mas inexoravelmente, ato obsoleto a tornar-se tacanho no médio e longo prazos.

Só esqueceram de avisar que, nesse teste de união a dois com possibilidades de cancelamento e novos relacionamentos aleatórios, sobram os filhos – frutos infelizes dessas uniões imprestáveis.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

As folhas que caem das árvores

Acabo de deixar um recado na caixa de mensagem de uma pessoa, e acho que o efeito dessa mensagem não será de todo bem compreendido. Mas são os efeitos das relações mal delineadas que temos na vida. Muitas vezes achamos que temos a situação sob controle, e descobrimos que elas é que nos tinham nas mãos. O fato é que as relações acontecem, e muitas são absolutamente virtuais, longe de se saber quais as reações dos olhos, da boca, das mãos, nem se a sudorese será espontânea ou haverá uma. O que mais intriga é que o mundo virtual produz efeitos reais. A ação que atua sobre nosso comportamento é tão ou mais intenso do que se fosse um contato físico de carinho ou de violência. As marcas, de alguma forma, aparecem. A virtualidade não poupa os que se deixam levar por essas trilhas. Mas isso devemos à nossa condição de seres pensantes com direito a sentimentos e emoções.

As salas ficam apinhadas. Os e-mails triplicam à quinta potência, nomes e rostos vão se avolumando nos monitores, milhares de frases e pensamentos são gravados sobre a virtualidade da tela, que conduz tudo com a rapidez do pensamento. No momento atual eu redijo, e momentos posteriores já estão do outro lado do planeta, como um passe de mágica, como se isso ainda fosse a antiga ficção de ver Flash Gordon ou Jornada nas Estrelas e ficar boquiaberto, dando lastro à imaginação.

Eu dizia, porém, que deixei uma mensagem numa caixa de entradas de uma pessoa. Ela a lerá e considerará muita coisa. Poderá irar-se, irritar-se, acabrunhar-se, ignorar, deletar ou simplesmente interpretar como algo factível, mas absolutamente desnecessário. Não para mim. Para ela. Certas suavidades nas relações sociais são fundamentais, mas as pessoas têm abolido o seu uso por julgarem que irão ter mau juízo delas. Uma pessoa educada pode ser um fracote. Uma pessoa voluntariosa, atrevida, é considerada uma liderança, uma força latente. Porém, a boa educação manda que façamos ao outro o que queremos que façam conosco. O motivo da minha irritação - que chegou a ser um desabafo - então tem sentido e se justifica.

Não poria aqui os motivos, nem o conteúdo. Não considero que seja importante. O que conta mesmo é o fato da saida à francesa e como aconteceu. Não tão à francesa, mas bastante impertinente, para não dizer vulgar. Tanta descontração chega às raias do mau gosto e do excesso de confiança que resvala na impertinência.

Se as folhas fossem ficar preocupadas com a nudez das árvores, folha alguma cairia. Mas não somos folhas, e já não somos trepadores de árvores como nossos ancestrais primevos. Certos protocolos se fazem presentes, mesmo quando o interlocutor nos ofende com delicadeza refinada.

Não fui ofendido. A ofensa acontece quando recebemos um gesto que desaprovamos, e não temos como tomar satisfação ou tentar saber se foi ou não deliberado. Um pisão no pé pode gerar um pedido de desculpas. Nos dias presentes as pessoas apenas olham para o chão e fingem que pisaram no chão, não no seu pé. Ou aquele cotovelo bem torneado a lhe dar cutucões na cabeça, no rosto, na ponta do nariz. O gesto se repete. Dessa vez sem a preocupação de olhar a direção do cotovelo. O gesto mais inteligente é recolhê-lo, fingindo não ter percebido nada.

Assim é como eu me sinto quando me deixam a falar sozinho, ou quando saem e sequer dignam-se a lhe dar um "até logo", "a gente se vê", "até amanhã". Parece mesmo que as pessoas não se conhecem. Elas se frequentam, falam-se por razões imperiosas ou por determinação profissional, mas não se dão ao trabalho de serem gentis, mesmo porque elas perderam o gosto (e o prazer eu também diria) pelos bons modos. Hoje vale tudo, até ser educado quando é obrigatório.

Nos amplos gramados arborizados, quando a época chega e o vento tem a força de dedos ágeis, as folhas são arrancadas dos ramos com a facilidade de um artista a manusear seu pincel ou seu bisturi. O chão fica coberto de folhas, que irão apodrecer, secar e incorporar-se ao chão e à grama virando uma coisa só. E é mais ou menos assim que as pessoas começam a se sentir quando a ação social entre elas produz esses intervalos estranhos, verdadeiros buracos invisíveis a incomodar a relação.

As folhas são folhas, não pensam. Seu destino final será o chão e diluirem-se nele. Nós não somos folhas. Ainda somos gente. Mas algumas pessoas vão perdendo o gosto requintado pelo gesto e pela palavra que têm o poder de trazer aos lábios um sorriso, um brilho diferente nos olhos e aquele desejo incontrolável de dizer um "muito obrigado" que sai lá de dentro do peito.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ah, e nada muda...

Ouço a notícia e fico pensando a respeito. Menor de catorze anos, preso dezesseis vezes, tripudia autoridade policial e é protegido pelo Estatuto doo Menor e do Adolescente.

Eu disse "protegido". O menor é reincidente, começou sua "carreira criminosa" aos onze anos, e continua, digamos, a exercitar o seu talento transgressor sob as barbas da Lei. A Lei que diz que, por ser menor, não pode ser tocado. Uma espécie de dalit nativo, a espécie mais abjeta e nojenta que se pode conceber uma sociedade que se proclama civilizada e justa. Há a lei, sim. A lei que diz que ele é merecedor de tratamento especial. Mas o que diz essa lei com respeito às pessoas que sofrem constrangimento e perdas pelas mãos desse "protegido"?

O legislador é hipócrita. Reveste-se da majestade dos justos, daqueles que podem fazer justiça. Mas não passa de um borra-botas, que mente e finge uma moralidade que não tem. O dalit tropical é uma legião, que muda de cara e de nome. Floresce ao pé das desigualdades e da miséria, das oportunidades que não vêm sob os olhos complacentes das autoridades que, ambiciosas de uma próxima eleição auspiciosa, esfregam as mãos e fazem de conta que não estão vendo nada. Não, tudo vai bem! Tudo está em ordem! Mas que maravilha!

O Estatuto vai ser modificado? O Judiciário vai fazer alguma coisa para mudar essa situação? O homem público - aquele mesmo que ganha quase três digitos vezes mil por mês para "ser nosso representante" - vai se coçar para tomar alguma atitude que modifique essa excrescência, essa mácula, essa bizarrice social? Quando, pois, vão dar ao cidadão que trabalha, que paga imposto, que vota, que tenta ser digno e decente... quando é que esse cidadão imbecilizado pelas atrocidades e perplexo pelos olhos de mercador dos políticos vai ter a sua situação de bom cidadão respeitada?

Talvez no dia em que não haja mais cidadãos decentes em sociedade. Talvez quando tudo vire uma espécie de filme de ficção, de clima noir, daquelas cidades sombrias dominadas pelo mal e pelo crime... talvez quando não houver mais condescendência, e tudo seja feito pelo 'olho por olho, dente por dente', então ai eles, os tais homens públicos, se cocem mesmo. Até lá as máscaras já terão caido. E veremos, finalmente, os verdadeiros rostos que elas escondiam.

Estaremos preparados para enfrentar essa visão dantesca e medonha?

Enquanto isso eles continuam a discutir de quanto será o salário-mínimo, ou o quanto os aposentados mal pagos terão direito a receber, porque o deles já está garantido por lei, aposentadorias vutalícias e milionárias. Ah, sim... sim.... porque há isonomia.... está lá, na Constituição. Mas de fato, nada disso é verdadeiramente feito. Está apenas no papel.


terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Depois, o silêncio

Esse será meu último texto neste blog. Depois disso, o silêncio. Deixarei de escrevê-lo. Por algum tempo foi algo bom. Mas hoje, necessariamente, não é nada interessante. Por que digo isso? Porque minha concepção de olhar a vida mudou. Já não me vejo tentando decifrar as ondulações das filosofias, o modo de pensar dos homens, entender as estruturas políticas, perguntar por quê tanta injustiça, por que isto, por que aquilo, porque não tenho respostas.

A felicidade está em nós. Mas o mundo é infeliz porque vive atrás do próprio rabo. Nada satisfaz. Nada agrada. Depois de algum tempo, o enfado. A busca por outras sensações recomeça. Uma sede que nunca tem fim. E isso tudo para quê?

Meus últimos momentos são de abandono. Deixar tudo para trás. Não olhar para trás sob risco de virar uma estátua de sal, como a mulher de Ló.

O universo interior precisa ser entendido, o espírito precisa ser alimentado, mas não por tanta porcaria que o homem cria para depois esquecer em algum fundo de gaveta.

Não quero mais ser o escritor que acha que era. Não quero ser o filósofo que achava que poderia ser. Não me interessa saber porque os livros de Paulo Coelho fazem sucesso, nem porque Sidney Sheldon era tão bem sucedido, ou porque há prazer nos homens em ficar vendo pornografia em vídeo ou em livros.

Ai do lado de fora tanta coisa acontecendo, tanta gente se esvaindo, e nós nos tornando cada vez mais capengas e obsessivos.

A paz que buscava eu encontrei, ainda que com adversidades.

Nem riquezas, nem o topo do pódio, nem as luzes dos holofotes, nem a bajulação dos admiradores de ocasião.

Não quero mais perder meu tempo falando de coisas que não me atingem, e que discuto como se fossem itens de um supermercado.

Uma só boca, duas orelhas... o recado foi dado na concepção.

Adeus a todos. Sem mágoas. Sem ressentimentos. Nem saudades.