sexta-feira, 31 de julho de 2009

Distante, porém não tanto

Diz-se que o que os olhos não veem, o coração não sente. Na verdade o coração é a metáfora da nossa alma, esta sim pensante e sensível às coisas da vida e do cotidiano de nossas vidas pessoais.
Pensamos, e às vezes esquecemos dessa arte maravilhosa de relembrar, nas tantas coisas acontecidas em nossas vidas. As pessoas que vimos e com quem tratamos, a quem dirigimos palavras, olhares, gestos, trocamos impressões e despedimo-nos. Tão logo acontece de dar-se o adeus, há o rompimento inevitável e, de repente, tudo se desmancha como fumaça, como aqueles tolos castelos de areia que insistiamos em fazer, quando pequeninos. A ilusão não era o castelo em si, mas o fato de vivenciar a presença junto àquele imenso oceano, uma espécie de ser vivo capaz de seduzir e atemorizar. Os castelos ficavam sempre para trás, perdidos e disformes. Na memória infantil, contudo, eram os sonhos do dia, os folguedos, a água salgada engolida à força, o medo de afogar-se, a mão providencial de alguém, a certeza da aventura, a ardência no nariz do sal a lavar-nos o corpo e a alma.
Vieram os pais, os irmãos, os filhos, os cônjuges, a família, e nesse trilhar constante e permanente veio a alegria da chegada e a dura tristeza da partida. Mudanças forçadas, necessárias algumas, outras apenas a cumprir o estigma da própria vida: nasce-se para depois morrer-se. Dura e cruel realidade? Decerto ficar longe dos olhos, não poder tocar, não poder dirigir-lhe a palavra, não ouvir-lhe a voz, e esquecer-se, oh meu Deus, o timbre, o calor da mão sobre a nossa mão, e estar certo de que, ainda que tão distante, esses vultos estão próximos, nalgum canto, vivendo uma vida diferente, sem que testemunhemos ou saibamos como isso acontece.
Distante, porém não tanto. As estradas são todas elas traçadas para atingirem uma única meta, o fim comum. Céu, Paraíso, Éden, seja lá o nome que se lhe dê, esse lugar existe, é real, mas não necessita demonstrar por um método cartesiano absolutamente matemático e preciso. A vida não tem a precisão matemática, nas suas incoerências, e contudo é um ato geométrico perfeito porque subtrai, soma, divide e multiplica. Não se perde substãncia, nem propriedades. A vida, e a morte por extensão, são irmãs gêmeas idênticas, que andam de mãos dadas.
Assim, e por uma razão minha - eu creio, não tenho porque me justificar, porque apenas creio -, e exclusiva, eu sei que isto e mais aquilo são as metades simétricas de uma só realidade. Depois, a assertiva de que "cogito ergo sum" só pode consubstanciar o fato de que "penso, logo existo". A vida é um ato de pensar, e como há início, meio e fim, o fim proposto é equidistante deste ponto na mesma medida que está em outro ponto, sem perda de substância e propriedades. Não seremos melhores ou piores, amanhã: seremos o que somos, e nem Céu, nem Paraíso far-nos-á melhores ou piores. A transformação dar-se-á no tempo crescente, logo a caminhada é imprescindível, necessária, fundamental.
Não há lógica, portanto, em acreditar que as distâncias existam. Elas são apenas conceitos nos quais acreditamos, e atingíveis apenas com um vislumbre mental de nos colocarmos lá. Os espaços circundantes são conceituais, assim como estar distante significa não estar tanto.

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