sexta-feira, 17 de julho de 2009

Discutindo coisas do mundo

Hoje me tomei de coragem e escrevi para José Saramago. Nem sei se irá ler. Nem sei se chegará a receber a mensagem. Mas fiz o que achava que tinha de fazer. Afinal, não somos criaturas participantes do mesmo mundo? Não sentimos as mesmas ansiedades, medos, desejos e inquietações? E não é assim, sem alguma insuspeita desconfiança, que chegaremos aos portais do final dos nossos tempos, onde obrigatoriamente teremos que entrar individualmente, sem guias, sem acompanhantes?
Falei-lhe a respeito do encurtamento dos espaços, das distancias que se tornaram menores, quase ínfimas, e da rapidez com que essas notícias chegam até nós.
Também me referi ao envelhecimento precoce de tudo que é gerado, no imediatismo da cozinha fast food dos novos hábitos humanos. Tudo é novo e tudo é velho. O novo de agora é o velho de amanhã. As notícias nossas de cada dia, são novas até o almoço; dali em diante tornam-se velhas, questionadas, desmentidas.
Não me causa maiores surpresas as perdas inevitáveis de certos valores, ou de quase a sua totalidade, diante da perplexidade deste mundo contemporâneo e esquisito. Vidas, guerras, interesses, escândalos, enxurradas exaustivas de más notícias – é isso que tem sido o panorama diante de nossos olhos. Então, por que da estupefação? Por que do espanto? Há ainda coisas capazes de tomá-los de assalto e surpreendê-los?
Saramago escreveu sobre a epopéia corajosa dos imigrantes, a desbravar novas terras e os seus incontáveis sacrifícios para se firmarem nas novas plagas. Hoje, a Europa que pensamos conhecer, é tão arredia e distante quanto eram os novos mundos àqueles sonhadores, que deixaram suas terras, famílias e lembranças para construir um sonho no tal Novo Mundo.
Nós somos, hoje, o Novo Mundo, não tão novo, mas já sequioso de envelhecer porque tem medo de avançar, de aumentar, de prodigalizar novas oportunidades aos sucessores. Não poucas vezes ouvi pessoas dizendo que tinham medo de pôr filhos no mundo, por medo do que viam, por entenderem que era insanidade trazê-los à vida para que herdassem isso que está aí. Não sei se precaução ou apenas covardia. A lógica filosófica interpreta que o novo sucede ao velho, o casto substitui o impuro, a boa idéia prevalece às velhas e viciadas idéias. Mas se lhes falta coragem – e o pretexto é a carestia, a violência, o desemprego, as políticas, as instabilidades atuais – sobra-lhes razões (nem sempre plausíveis e convincentes) para não gerarem filhos.
A meu ver é como ser membro integrante do reino de um rei decadente e imoral e seu reinado apodrecido pelas mazelas e pelos pecados, e o desespero de não ter nenhuma ilusão de que algo de bom possa acabar com a torpeza desse reino. Se não há novas mentes e novas idéias, como pensar em destituir do poder aqueles que fazem dele o que bem lhes apraz? Se não há herói na história, o vilão será sempre o vencedor. Se não há o bem para acalentar os corações, o mal será a certeza de que não há melhores perspectivas senão dores, dores e dores.
No último dia 14 de julho comemorou-se 220 anos da queda da Bastilha e do fim do feudalismo e do absolutismo como conceitos políticos de governabilidade. Foi preciso derramar sangue e degolar muita gente para que isso se firmasse. A transição do excesso para o razoável exigiria da parte dos cidadãos franceses uma dose inigualável de coragem e despreendimento. A Bastilha é uma metáfora incontestável de que nada se modifica apenas pelos lindos olhos daquele que olha a paisagem e percebe nela essas anomalias. É preciso olhar e perceber; sentir a extensão dos problemas e aquilatar as conseqüências; avançar nessa guerra sabendo que sua vida está em jogo, mas que a morte de alguns não será vã se houver bem-aventurança para a maioria. Somente a ganância e o egoísmo ou a idéia absurdamente irracional de higienização étnica é que tornam as guerras uma insanidade irrecorrível. O próprio ato de sobreviver ao dia seguinte é uma guerra que mantemos desde o ato do nascimento até o último piscar de olhos.
Assim tem sido em inumeráveis países do continente africano, das Américas subdesenvolvidas, da Europa falsamente evoluída – dentro de comunidades consideradas civilizadas e altamente industrializadas, ou nas favelas e cortiços a enfeitar os morros e becos escuros das grandes cidades, como provas de que a opulência de poucos quase sempre tem um custo social absurdamente alto e perverso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário