segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Os lados da moeda

Estamos agora diante de uma situação amplamente divulgada, pouco compreendida e quase sempre assustadora. Então, de repente, somos finitos.

A humanidade falastrona pensa que pode. Nessa massa de seres humanos há os que acreditam, e aqueles que não creem. Crer e não crer são faces da mesma moeda. Porque há dores, também há linimento a essas dores. Não só fim e absolutamente nada. Ha algo mais. Mas a finitude é algo que assombra o homem. Ele anda no arame, equilibra-se na sua arrogância, esmaga e dilacera em nome do seu poder (?), mas não consegue ludibriar o fim quando se aproxima. Decerto ele tem o vislumbre dessa brisa tênue quando ela vem, silenciosamente, no seu bailado rítmico bem compassado. O seu assombro acontece justamente na hora em que todas as portas já não têm mais como abrirem-se. Nem as vozes dos profetas podem resolver o seu impasse cartesiano de apenas compreender como real aquilo que se mede, se pesa, se fraciona. A solidão do seu grito não será menor que a solidão do universo a rodopiar asteróides, planetas, satélites e mundos inimagináveis.

Se antes eu já dissera que a verdade é aquilo que escolhemos acreditar, certamente ao olhar para o céu estrelado de uma noite quente de verão - quando a poluição assim o permitir - entenderemos que além do que nossos olhos míopes podem enxergar existe um infindável oceano de possibilidades, e todas elas tremeluzindo a milhões de anos-luz. O que brilha há muito terá desaparecido. Mas quem dirá que não é verdade que a vemos brilhar lá no alto? Mentiriam nossos olhos míopes? Ou seria fantasia de nossa mente a produzir fantasias?

Infinito e finitude: conceitos que gotejam durante toda a vida em nossas vidinhas comuns. Diante da força do temporal encolhemo-nos. Ela é devastadoramente bela, e perigosa. Mas é finita. O dia e a noite têm suas convergências e vivem de antípodas verdades. A ilusão é somente o fato de que em certo momento a luz escasseia e, por outro lado, abunda em toda plenitude. Contudo, são duas faces reais de um mesmo aglomerado de matéria a rodopiar no seu próprio eixo e sob a ação de forças de atração poderosíssimas.

Há uma ciência nisso tudo, e uma poesia intrínseca. A lógica do começar e terminar é tão evidente, mas ainda há quem menospreze o fato e se recuse a acreditar. O que começa, acaba? O que acaba poderia ter um recomeço?

São questões absolutamente discutíveis. Estão ai, escancaradas e prontas para serem compreendidas. Somos, em certa medida, como que contemporâneos de Galileu, quando este, doido de pedra, disse a todos que não éramos o centro do universo, e que girávamos ao redor do sol. Ah, quão louca se fez a vida deste poeta travestido de cientista! Se não recua, perece. E a Igreja Romana, pretensiosa e arrogante, à semelhança dos fariseus, séculos depois, ela mesma teve que recuar e escusar-se publicamente. Outros tempos, outros homens, outros olhos, um mundo menos obscuro e muito mais submetido às lentes dos analistas. Tudo se discute. Tudo se comenta. Mas quando chegamos àquele ponto crucial, quando o homem é questionado sobre "e o que vem, afinal, depois?", ele se dobra sobre si mesmo feito um caracol e retroage cinco séculos antes, como se tudo que o homem conquistou houvesse sido soterrado numa avalanche de obscurantismo contido.

Veja que tudo isso que se falou é confuso, difícil, quase um porre. E tudo seria apreciável se levássemos na simplicidade das formas com que forma criadas. Mas pusemos nossa inteligência e inventamos a confusão institucionalizada, aquela mesma que existe para confundir, não para esclarecer. Afogados em conceitos e definições, as leis passam a ser questionadas. As mesmas leis que não conseguimos reproduzir em laboratórios, mas que insistimos em confrontar como se fossemos capazes de inventar uma fórmula que perenizasse a vida abdicando a morte. Mas aí também veremos que há os dois lados da moeda. A vida e a morte, de repente, não seriam a mesma coisa vistas de formas diferentes?

Uma bola tem dois lados. Interno e externo. A vida e a morte são xipófagas. Uma explica a outra. Os lados evidentes da moeda. Ou ela não seria moeda, se não houvsse um dos lados.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Escrevendo.....

Continuando o papo de escrever, e depois de ter lido o blog de Debora Val - O Purgatório - onde ela redige as mesmas dúvidas e dificuldades que tratara na primeira parte desse texto, fica aquela pergunta: se é tão dificil, se é um parto tão doloroso, se escrever é quase a mesma coisa que escalar o Himalaia sem tubo de oxigênio, então por que é que nós teimamos e insistimos em escrever?

Na prática a resposta é tão absurda quanto a pergunta. Se algo me incomoda, eu evito. Se algo me enoja, eu passo ao largo. Se algo me aperta, eu me safo. Se algo quer me trazer algum desconforto, que pareça se prolongar, eu procuro me livrar dele. Então, essa coisa de ser "escritor" não é também um grande exercício de masoquismo?

Mas existe uma coisa que muitos não atentaram ao detalhe. Essa coisa de "preciso escrever" decorre do fato de que é algo que, dentro de nós, precisamos expelir. Como quando estamos indispostos. Como quando fomos imprevidentes e nos excedemos na mesa, na bebida, naquela farra não planejada. Vem o after. Sempre quando ele vem é que a porca torce o rabo. O efeito da ressaca é cruel. Mal-estar, indisposição, enjoo. Mas até chegarmos a esse estágio de lucidez, enfiamos as mãos pelos pés ou vice-versa e ignoramos o bom senso e a lógica.

Talvez seja isso o ato fecundo e absorvente de escrever. Traz dores, inquietações, desasossego, mas também produz um efeito inebriante de coisa feita. Eu sei bem o que é alinhar palavra por palavra, umas atrás das outras. Parecem formar um trenzinho infindável a apitar o seu apito irritante de "estou chegando". Chegar nesse ponto da estação da vida, contudo, é barra. Ou como diriam algumas pessoas: é punk.

A sensação de dever cumprido compensa toda loucura de véspera. Ler o que se escreveu e visualizar cada rosto, cada situação, cada diálogo ou até talvez aquele momento que ficou, como já me referi, congelado pela palavra, nada disso tem preço. Cada gota de suor, cada palavra estudada e lapidada, cada termo ou forma de expressão garimpada com esforço inusitado, tudo isso vale a pena depois que você enxerga o fato e ele está ali, presente, sólido feito um rochedo, um fato histórico, uma lembrança, uma ideia, um flash que não poderá ser alterado. O papel do escritor ou de quem escreve não é de validar o absoluto, mas de dar o seu testemunho e dizer que esteve presente, que vivenciou, que participou de alguma maneira, que deu sua parcela de colaboração.

Essa conversa fica comprida e parece não terminar nunca. Na verdade é como enxugar gelo: um trabalho cansativo que parece não sair do lugar. Só que a gente sai do lugar, da mesma forma que o gelo vai paulatinamente perdendo consistência, peso e volume. De um bloco tornar-se-á uma pedra. Uma pedra que parece inofensiva, mas foi uma pequena pedra que derrubou Golias.

Melhor não subestimar as pedras....

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

São Paulo tem prefeito?

Sou um cidadão comum. Eles gostam de dizer munícipe quando se referem a nós. E falo como cidadão comum. Daqueles que andam de ônibus, tem dores de barriga, usam o SUS e pagam religiosamente os impostos, porque são impostos goela abaixo, sem choro nem vela.

Como cidadão comum também tenho opinião. Ocasionalmente palpito aqui e ali. Sou comum, mas não sou alienado. E ao observar um pouco a cidade que me cerca, ou quando paro e ouço as notícias que vêm pelo rádio, percebo certa lógica crítica nessas notícias. Ouço que os investimentos de subprefeituras foram cortados de umas e aumentados de outras. Você me perguntaria que lógica há nisso. A lógica simplista é que as verbas cortadas foram das subprefeituras dos bairros periféricos. Por outro lado, aumentou-se o investimento naqueles bairros, digamos, mais categorizados, onde eles, não por acaso, moram. Explica-se, portanto, os incontáveis buracos no asfalto arrebentado de onde moro, a iluminação tremeluzente de certas ruas, o estado deplorável de lixo acumulado nas calçadas, sem contar, é claro, a sujeira das ruas.

Grande parte dessa situação é culpa do próprio munícipe, é bom que se diga. O cidadão comum é comum também nos maus hábitos. Jogar lixo pela janela do carro, no meio-fio da calçada são procedimentos que denotam má educação. Cria-se a pessoa dando-se maus exemplos e depois não se pode exigir que essa criança, já adulta, tenha esses frissons de civilidade. Por osmose ela acaba agindo de forma reflexa àquele modo banal e deselegante que via dentro de sua casa.

Agora, cortes nas verbas dos bairros periféricos é bem o sintoma característico dos que gostam de maquiar a sua política. No caso de São Paulo o prefeito Kassab, que há muito está fora da mídia, deixou de ser centro das atenções bem depois que ele vetou o projeto que alterava os horários de jogos noturnos. Por questões políticas ou pressões econômicas (não se sabe ao certo qual o real motivo) ele vetou o projeto e a coisa não andou. Ou seja, continuamos a ter jogos que começam às dez da noite e acabam no começo da madrugada – quase ao apagar das luzes do metrô e dos últimos negreiros urbanos. O povo que se lixe! – diria o exemplar político à semelhança de certos políticos do reinado avassalador do Sr. Inácio Lula.

Explica-se as péssimas condições das ruas. Explica-se a ausência de fiscalização de transito somado ao absurdo em que se tornou o transito da cidade. Explica-se o desprezo pela educação formal desses maus condutores, porque a ênfase é arrecadar muito por meio das milhares de multas que são geradas pela indisciplina e a má educação. Quanto mais indisciplinado, melhor. Isso é bom para os cofres públicos, é bom para o governo municipal, mas é péssimo para o futuro da cidade.

Depois que a figura eflúvia do prefeito passou à condição de manifestação espectral, ficamos com a triste impressão que nunca o prefeito de Sampa será igual, vamos citar apenas um exemplo clássico, ao prefeito de Nova Iorque. Lá o prefeito é o chefe da polícia. Lá o prefeito determina e faz cumprir regras e leis. Aqui, se tanto, o prefeito hoje briga para tirar o presidente do partido a que ele pertence, por razões exclusivamente pessoais. O prefeito hoje existe para tentar sobreviver tendo algum futuro político. Não acredito, entretanto, que ele venha a se eleger a alguma coisa algum dia por essa mesma população. Diria mesmo que o prefeito foi um grande fiasco como administrador, um falastrão que vivia dando entrevistas em rádios de São Paulo, mas que depois da tibieza com que encarou o embate com conglomerados poderosos a defender o futebol às vinte e duas horas, o Sr. Prefeito deu um chá de sumiço e sumiu mesmo. De notícia só temos essa: obrigatoriedade da inspeção veicular sob risco de ter o licenciamento bloqueado mais uma multa de mais de quinhentos reais, ruas abandonadas, subprefeituras loteadas e sofrendo toda sorte de manipulação, e por trás dessa triste ópera trágica feita de ironias e inverdades, um patético homem que iludiu muita gente, inclusive eu mesmo, quando se propôs a se eleger para fazer da sua gestão um exemplo de boa administração.

Será que a Lei Seca ainda vigora? E aquela lei que pretendiam promulgar proibindo veículos a andarem com som de suas caixas poderosíssimas no último volume? Não só não aconteceu nada como agora o munícipe é obrigado a fazer inspeção veicular, pagar mais de cinquenta reais de taxa, sob a ameaça (sempre a ameaça) de não licenciar o veiculo e ainda ser multado.

Então eu pergunto: São Paulo tem prefeito?

Talvez o munícipe de outras plagas saiba mais daqui do que nós mesmos.

Infelizmente fica valendo aquele ditado que diz: “Em casa de ferreiro, o espeto é de pau”. Serviu feito uma luva.