sábado, 31 de outubro de 2009

Entre mundos

Eu sou parte deste mundo - o único que temos e que é possível viver. E por mais desesperador que seja iver nele, o nosso desespero será, sempre, fruto da nossa capacidade de enxergá-lo, de senti-lo, de participarmos dele; será a nossa visão mais (ou menos) pessmista, mais (ou menos) corajosa e otimista que dará as cores e os sabores do nosso habitat único. É este mundo, e não outros que circulam na imensidão do espaço e da nossa completa ignorância, que nos acolhe. Ainda que mostrem e gritem e descrevam, com cálculos primorosos, o que seria possível existir além da nossa fronteira intelectual - sobre o tamanha insuportavelmente assustador d universo -, será sempre a nossa cultura religiosa, aliada à nossa ignorância, mais a acomodação simplista de enxergar o céu e o inferno como os únicos finais possíveis, que dará os contornos do aceitável daquilo que é, na visão de certos dogmas, ou, tudo não passaria de uma inquestionável loucura.

Há dois mundos possíveis de compreender porquanto sejam tangíveis, compreensíveis e um deles chamamos de estágio. O primeiro é este mundo - que nos recebe ao nascer, nos acolhe, no qual evoluimos como seres humanos ou apenas nos desatinos tipico dos seres brutais; que nos alimenta e que nos cobre com sua espessa camada de terra quando o nosso sistema vital entra em falência. O outro é exatamente a Morte, dai chamar este mundo de estágio, para minimizar a linguagem daqeles que têm ouvidos mais sensíveis ou para apaziguar a inteligência e o caráter dos que querem chegar até Deus, mas não querem morrer. É o grande anacronismo, um contra-senso, mas também um fato real: viver a vida dos cinco sentidos, a plenitude dos prazeres e das riquezas emuladoras desses quase infindáveis prazeres (e também de incontáveis vícios) e temer - oh, sim, temer - aquilo que virá depois que houver a falência vital e for necessário, sem qualquer escolha ou apelação, abandonar tudo que se juntou de bens, de virtudes, de vícios, e encarar o outro lado tão nu, tão despojado, tão sozinho como quando saiu do ventre corporal de uma mulher, que se convencionou chamar de mãe.

Perscrutar sobre se há ou não vida em outros mundos é um exercício inconcluso, para muitos contraproducente, que serve para alimentar a imaginação dos escritores, dos cientistas e dos moralistas, mas apenas é um exercício sem um final oficialmente aceito.

É presunção imaginar o nosso pequeno grão de areia cósmica coo único grão com vida inteligente? Eu digo que é, contudo não vou resolver as intermináveis divergências doutrinárias das igrejas, não poria fim à fome nem à injustiça, não extirparia o espírito totalitário e ditatorial do ser humano, nem acabaria com as dicotomias conflituosas de religiões, nem com a ganância, a prepotência do racismo, a insanidade do crime contra a vida alheia, nem com o crime contra a nossa própria vida se entendermos que os vícios, o suicídio lento dos maus procedimentos diários, os apetites desenfreados dos modismo contemporâneos, tudo isso é uma sutil e devastadora forma de auto-aniquilamento.

Não acabaria e, diante do argumento hipócrita e cínico dos insubmissos, me revoltaria quando dissessem que "se vamos morrer mesmo, temos mais é que aproveitar a vida", que só confirmaria a avançada evolução da devassidão que domina este mundo, mesmo que todos vejam, mas aceitem; todos condenem, mas condescendam; todos reprovem, mas fechem os olhos e virem os rostos para o outro lado. Até porque é mais fácil fingir que não se vê, que não se ouve, que não se saiba. Legítimo porque é contemplado com o mérito da dúvida; é lícito porque estar absorto e distraído concede-lhe o direito ao perdão, mas absolutamente imoral sob o ponto de vista de consciência.

Certa ocasião, há algum tempo, e não saberia precisar a data, en passant pelo canal Multishow, me deparei com um bate-papo entre apresentadoras, e na ocasião elas discutiam a conduta de certos políticos e sua forma elástica de encarar a moralidade institucional que justificasse as suas próprias condutas no poder público. A certo momento uma das apresentadoras, a atriz Betty Lago saiu-se com uma pérola de observação que, àqueles tais ouvidos sensíveis, soaria como uma frase de mau gosto, mas que refletia o mais puro e sincero desabafo, quando disse que eles poderiam fazer o que bem quisessem, mas que "um dia, com certeza, acabariam morrendo de câncer", o que provocou risos de todas as presentes, mas que me fez pensar seriamente no seu conteúdo.

Não o câncer doença, que todos temem mas que é um fato inequívoco. Mas o câncer doença acaba sendo uma metáfora real e tangível quando entendermos que, se a justiça humana não consegue alcançá-los para puni-los pelos seus excessos e desvirtuamentos, a doença, como um aliado silencioso dentro do próprio personagem, serviria de fiel da balança para pô-los no lugar que mereceriam estar.

Inevitavelmente a doença é um efeito própria dos desvios e excessos, e ele habita nossas entranhas e se manifesta quando o terreno se torna propício. A verdade é que também há um outro mundo bastante subjetivo, além deste - material -, da Morte - fase terminal -, mas também aquele que acompanha entre um e outro: o mundo da consciência. Onde residem os planos, as idéias, onde se faz o balanço do certo e do errado, do crime e do castigo, aquele mundo onde nem o dinheiro, nem as bebedeiras, nem as drogas eliminarão a "insustentával leveza do ser".