quinta-feira, 30 de julho de 2009

Dias Gelados

São nesses dias gelados que ficamos muito tristes. É uma tristeza mesquinha, egoista, atrás do vidro embaçado da janela. Dali olhamos para as ruas cinzentas e frias, o vento congelante varre tudo que se lhe aparece à frente. Tristeza mesquinha e egoista porque no calor, com edredom à nossa disposição, uma xícara fumegante de chá ou café, o ar acolhedor dos tapetes, o sofá convidativo, os quadros pendurados nas paredes, e do lado de fora, em algum canto qualquer dessa cidade cinzenta e gelada, vultos negros e inidentificáveis arrastam-se como zumbis.
Mesquinharia nossa, se levarmos em conta que estamos alimentados e protegidos. Sobre nossas cabeças, sabe-se lá um Deus a olhar-nos com candura e amor, também percebe quão sovinas somos em não dividir o calor que abunda e reconforta. Ah, essa cidade cinzenta, gelada e úmida!
O gato ronrona a esfregar-se em nossa perna. O olhar compreensivo do humano lhe concede a graça de um carinho, um afago, e a resposta amorosa do felino a devolver-lhe em reciprocidade a atenção que pediu e recebeu.
Olha para todos os cantos do retangulo da janela, e nada é sedutor. Não há vida, apenas o cinzento em degradê, as sarjetas a escorrer a umidade da cidade que pulsa, ainda que aparentemente adormecida e modorrenta.
O corpo pede que se distenda sobre o sofá e ouça a meia altura uma música suave e penetrante, Na verdade o que roda é um soul de Al Green - How Can You Mend a Broken Heart. A voz que vibra dentro da sua alma é aquela mesma que você pode ouvir. É mais um detalhe desse longo e caudaloso oceano de coisas que lhe sobram, que lhe fazem feliz ainda que distante do mundo e da humanidade.
Há, sim, não há dúvida, um Deus de olhar cândido e amoroso a espraiar-se sobre sua vida pregressa e futura. E Ele dirá: - Filho, por que não agradeces tudo que tens recebido? Por que te enfurnas nessa tristeza sem sentido? O que te faz tão infeliz, que não possa Eu resolver?
Esse pai é pai do dia, do cinza, do frio, do retangular espaço da janela, da minha vida, dos meus pensamentos - ele pensa. Mas que posso fazer se não atinge o meu êxtase?
O olho percorre o dorso vertical do sofá, tão convidativo, e é como se repelisse, sem saber por quais causas, a amante que se insinua. Abate-se-lhe uma melancolia cruel, dolorosa, e sua alma fica tal e qual o dia que se estende lá fora. A alma enregelou-se. O brilho foi-se com o sol que insiste em não chegar a tempo.
Um par de lágrimas, em combinação e em perfeita simetria, escorre sobre o rosto grudado à vidraça. Nem calor nem frio, apenas a melancolia de sentir-se inútil e triste por tanta inutilidade.
Senta-se, fecha os olhos e pensa. Resta-lhe apenas o ato de pensar. E que Deus me perdoe, ele pensa, e em seguida dá um longo suspiro, como que aliviado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário