terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Há pouco o Natal acabou. Tão rápido e tão carente de entusiamo. Um dia especial que virou rotina, onde se come aquelas iguarias que só são feitas nessa época; que se bebe aquelas bebidas próprias para a ocasião; que se vê aqueles parentes que só se encontram eventualmente, e essa eventualidade do Natal é uma delas.

O Natal das luzinhas coloridas e das árvores decoradas na sua mais casta simplicidade: onde os galhos eram pontilhados de pedacos pequenos de algodão, e as bolas eram de todos os tamanhos e cores. As luzinhas com pisca-pisca a brilhar no escuro da sala, colocada no canto, projetava suas sombras multicores para todos os lados.

Reunida a familia, composta de mãe e dois filhos pequenos, porque o pai trabalhava à noite - logo era uma ausência prevista -, ficavam ali a aguardar um visitante ilustre que nunca chegou. Mais um pouco, o sono chegava. Iam todos para a cama concluir a festa do Natal no silêncio de sua solidão. Nem vizinhos, nem parentes, nem ninguém. Apenas eles e nada mais.

A virada do ano era uma outra festa cheia de absolutamente nenhuma alegria, exceto a chuva de papéis prateados lançados do alto no Viaduto do Chá, e a Corrida de São Silvestre que tinha o charme de ser à noite - e não durante o dia, como determinou as novas formas de conduta da mídia televisiva. Era à noite e tinha o glamour de uma festa de final de ano. As pessoas iam às ruas e torciam. Os ganhadores eram quase sempre os velhos conhecidos de outras competições. Criava-se, pois, um laço, um vínculo de afetividade. Era como se eles fossem brasileiros - ainda que viessem ao Brasil uma vez ao ano só para competir no dia 31 de dezembro.

Há pouco foi Natal; logo será reveillon. As pessoas brindaram o novo ano como se fosse ser realmente um novo ano. Apenas um lapso, uma ilusão, uma busca consciente da inconsciência dos que creem sem questionar. Nada muda. Exceto os dias no calendário e as formas equivocadas e maldosas dos escândalos e das más notícias. Continua sendo o ano com um novo rosto. O conteúdo, infelizmente, este é transferido deste para aquele. O velho ano deixa a herança maldita dos problemas que apenas mudam de gaveta, que ficam para o próximo exercício, que podem ser postergadas. Alguém resolverá, se tanto, ou apenas tentará explicar porque não o fez. Logo será novamente Natal e Ano Novo, e novas promessas e mentiras serão aspergidas como água benta sobre as cabeças de cenhos baixados, olhos postos no chão, um peso enorme sobre os ombros e a certeza nua e crua de que tudo não passou de uma fábula, um sonho que mudou de lado, e que continua a ser etéreo e imaterial como os sonhos daquelas crianças que, a olhar a árvore de Natal colocada no canto da sala escura, imaginavam que poderia existir um velhinho de roupas vermelhas e barbas brancas a trazer presentinhos e surprêsas para todas as pessoas.

O Natal nem é isso. É algo bem mais simples e muito mais importante que só receber presentes e um afano na cabeça. Ninguém perguntará se você foi bom ou mau, se fez a lição, se não roubou, se não mentiu, se respeitou este ou aquele. Ninguém perguntará de sua conduta, nem do que você pensou. O bom velhinho será apenas uma figura de shopping e de cartão postal. No Natal as pessoas encherão suas maravilhosas caras com toda sorte de bebida e se empanturrarão de comida até quase explodir. Deitar-se-ão na cama e literalmente desmaiarão. Sem sonhos, sem pensamentos, apenas o ronco agudo e sonoro dos estômagos forrados e dos cérebros imersos em muitos copos de bebidas. O Natal do Menino Jesus e da manjedoura não mais que uma esquisitice que, casualmente, faz ainda parte do cenário festivo do comércio ávido por vendas e receitas.

Novo Ano, novos sonhos, novas esperanças, novas maneiras de driblar a dureza da vida e a desfaçatez dos poderosos. Será o dia das muitas gotas caindo sobre a eterna chapa quente das vaidades. A criança de ontem já não existe mais, ainda que sufocada dentro de corpos tão elásticos e elegantes quanto egoistas e vaidosos.

A continuar do jeito que vai, logo mais o Natal será apenas uma boa desculpa para que as pessoas tentem se lembrar, ainda que sem sucesso, qual foi, um dia, o motivo principal dessa festividade. Mas nunca deixarão de saber, com resposta pronta para ser proferida, que nesses dias a comida será farta e a bebida abundante. E se embriagarão dessa alegria alcóolica e efêmera, como alcóolica e efêmera tem sido todos os demais dias dessas vidas tristes e sem muita esperança.

Feliz Mesma Coisa Todo Ano!