sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

As folhas que caem das árvores

Acabo de deixar um recado na caixa de mensagem de uma pessoa, e acho que o efeito dessa mensagem não será de todo bem compreendido. Mas são os efeitos das relações mal delineadas que temos na vida. Muitas vezes achamos que temos a situação sob controle, e descobrimos que elas é que nos tinham nas mãos. O fato é que as relações acontecem, e muitas são absolutamente virtuais, longe de se saber quais as reações dos olhos, da boca, das mãos, nem se a sudorese será espontânea ou haverá uma. O que mais intriga é que o mundo virtual produz efeitos reais. A ação que atua sobre nosso comportamento é tão ou mais intenso do que se fosse um contato físico de carinho ou de violência. As marcas, de alguma forma, aparecem. A virtualidade não poupa os que se deixam levar por essas trilhas. Mas isso devemos à nossa condição de seres pensantes com direito a sentimentos e emoções.

As salas ficam apinhadas. Os e-mails triplicam à quinta potência, nomes e rostos vão se avolumando nos monitores, milhares de frases e pensamentos são gravados sobre a virtualidade da tela, que conduz tudo com a rapidez do pensamento. No momento atual eu redijo, e momentos posteriores já estão do outro lado do planeta, como um passe de mágica, como se isso ainda fosse a antiga ficção de ver Flash Gordon ou Jornada nas Estrelas e ficar boquiaberto, dando lastro à imaginação.

Eu dizia, porém, que deixei uma mensagem numa caixa de entradas de uma pessoa. Ela a lerá e considerará muita coisa. Poderá irar-se, irritar-se, acabrunhar-se, ignorar, deletar ou simplesmente interpretar como algo factível, mas absolutamente desnecessário. Não para mim. Para ela. Certas suavidades nas relações sociais são fundamentais, mas as pessoas têm abolido o seu uso por julgarem que irão ter mau juízo delas. Uma pessoa educada pode ser um fracote. Uma pessoa voluntariosa, atrevida, é considerada uma liderança, uma força latente. Porém, a boa educação manda que façamos ao outro o que queremos que façam conosco. O motivo da minha irritação - que chegou a ser um desabafo - então tem sentido e se justifica.

Não poria aqui os motivos, nem o conteúdo. Não considero que seja importante. O que conta mesmo é o fato da saida à francesa e como aconteceu. Não tão à francesa, mas bastante impertinente, para não dizer vulgar. Tanta descontração chega às raias do mau gosto e do excesso de confiança que resvala na impertinência.

Se as folhas fossem ficar preocupadas com a nudez das árvores, folha alguma cairia. Mas não somos folhas, e já não somos trepadores de árvores como nossos ancestrais primevos. Certos protocolos se fazem presentes, mesmo quando o interlocutor nos ofende com delicadeza refinada.

Não fui ofendido. A ofensa acontece quando recebemos um gesto que desaprovamos, e não temos como tomar satisfação ou tentar saber se foi ou não deliberado. Um pisão no pé pode gerar um pedido de desculpas. Nos dias presentes as pessoas apenas olham para o chão e fingem que pisaram no chão, não no seu pé. Ou aquele cotovelo bem torneado a lhe dar cutucões na cabeça, no rosto, na ponta do nariz. O gesto se repete. Dessa vez sem a preocupação de olhar a direção do cotovelo. O gesto mais inteligente é recolhê-lo, fingindo não ter percebido nada.

Assim é como eu me sinto quando me deixam a falar sozinho, ou quando saem e sequer dignam-se a lhe dar um "até logo", "a gente se vê", "até amanhã". Parece mesmo que as pessoas não se conhecem. Elas se frequentam, falam-se por razões imperiosas ou por determinação profissional, mas não se dão ao trabalho de serem gentis, mesmo porque elas perderam o gosto (e o prazer eu também diria) pelos bons modos. Hoje vale tudo, até ser educado quando é obrigatório.

Nos amplos gramados arborizados, quando a época chega e o vento tem a força de dedos ágeis, as folhas são arrancadas dos ramos com a facilidade de um artista a manusear seu pincel ou seu bisturi. O chão fica coberto de folhas, que irão apodrecer, secar e incorporar-se ao chão e à grama virando uma coisa só. E é mais ou menos assim que as pessoas começam a se sentir quando a ação social entre elas produz esses intervalos estranhos, verdadeiros buracos invisíveis a incomodar a relação.

As folhas são folhas, não pensam. Seu destino final será o chão e diluirem-se nele. Nós não somos folhas. Ainda somos gente. Mas algumas pessoas vão perdendo o gosto requintado pelo gesto e pela palavra que têm o poder de trazer aos lábios um sorriso, um brilho diferente nos olhos e aquele desejo incontrolável de dizer um "muito obrigado" que sai lá de dentro do peito.


Um comentário:

  1. Haa se tudo caminhasse em um único ritimo...o que seria do prazer do desgosto das incertezas ?...acho que por este motivo e por outros mais que nós pessoas,gente nem mais tanto civilizadas agimos assim...Não possamos colocar a culpa aos políticos e nem no mundo pois tudo vêm de uma mera escolha...estas que muitas vezes não se é para melhorar o nosso viver mas sim para fazer com que este não se torne tão amargo como tal.


    Adorei esta postagem sua...Um grande abraço e até a próxima.

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