quinta-feira, 10 de março de 2011

Reflexões são reflexos?

Somos seres filosóficos, ainda que muitos neguem. Pensamos, logo, temos uma noção clara de que existimos. Se Descartes não houvesse chegado a essa conclusão, talvez alguém, depois dele, chegasse a essa mesma conclusão. Em linhas gerais, o que desejo escrever - buscando motivação, estímulo, ideias e remexendo a minha cabeça - não é bem sobre esse ser filosófico, por mais estranha que isso possa parecer, mas dos reflexos que as nossas reflexões - e digo nossas no sentido universal do conceito - podem produzir a cada momento de estanque, quando invariavelmente paramos para "pensar".

Reflexões são flashes que espoucam na cabeça e trazem consciência de certos conceitos com os quais vivemos, convivemos e muitas vezes não compreendemos.

Elas podem muito bem trazer para nós um bem-estar intenso e prazeroso, mas também podem, em certas ocasiões, nos invadir o íntimo e literalmente estragar o nosso dia. Para os que têm certa facilidade em pisar o terreno do pessimismo, diria que certas reflexões são verdadeiros tsunamis na vida de certas pessoas.

De certa maneira não é totalmente errado dizer que certas ocasiões devemos viver na flauta, alheios e alienados, para podermos viver bem. E essas pessoas, que atraem tragédias e vivem com a nuvenzinha preta sobre a cabeça, são verdadeiros imãs com alto teor de magnetismo. Não que elas não devam refletir. Mas elas precisam tomar cuidado quando fazem isso. Talvez por isso é que os nativos desta terra ensolarada, de muitas praias, que o estereótipo do turismo faz recortar-se por coqueiros, muita gente bonita tomando banho de sol, com pouca roupa, que parece viver a vida por impulso e andando no arame, a impressão é que filosofia, para elas, antes de ser algo bom e produtivo é, na verdade, um troço chato, antigo e antiquado. Ou seja, pensar e meditar sobre as coisas que nos influenciam e atuam em nós e em nossas vidas é uma coisa inadequada e inoportuna. Melhor que ficar filosofando é ir ao estádio assistir a um jogo, brigar com a torcida adversária, xingar a diretoria, os jogadores e os juízes, e no meio do caminho para casa quebrar alguns telefones públicos, depredar algumas latas de lixo, chutar cachorros magros, e vandalizar-se um pouquinho para manter o perfil de um pessoal antenado na atualidade.

Acho que, de algum modo, fiz uma reflexão. E o reflexo dela vem depois, quando percebo que todas essas imagens que modelaram o texto tornaram-se vivas e presentes, e posso até sentir o cheiro enjoativo de sangue e suor, as luzes dos carros da polícia, os cacetetes cantam alto no lombo dos incautos e menos espertos, aquele alvoroço todo pondo todo mundo ao redor em polvorosa, e então me dou conta que a nossa vida cotidiana é bem isso que escrevi: ou as brigas são dentro do estádio ou são fora. Além do motivo futebol (que ativa o sentimento de ódio e disputa com a torcida oposta) há outros motivos. A frustração de não poder mudar o que está aí, na vida pública por exemplo. Não poder enfiar certos políticos na cadeia, porque há leis que protegem, há imunidades que impermeabilizam, há espírito de corpo que defende os iguais porque, defendo um todos se defendem de modo geral.

Há a corrupção flagrante, galopante, constante e operante, que parece não ter começo e nem esboço de que tenha fim. Os desvios de verbas. As ideais mirabolantes de Copa do Mundo e Olimpíada para sugar o dinheiro público por meio de dispositivos legais que blindam os infratores e, assim sendo, oficializam o processo do "quando mais melhor". Dinheiro, até onde eu saiba, nunca é demais, principalmente em se tratando de políticos de carreira.

Esses reflexos dessas reflexões acabam por me incomodar sobremaneira. Confesso que me afetam a ponto de me irritar. Fica muito bravo, para não dizer outra coisa. Bravo e fulo! Por mais tacanha e obsoleta que seja a expressão, "ficar fulo" me lança para um mundo circense onde a pantomima que satiriza personifica muito bem esse estado de impotência que sofremos, em particular os que pensam demais... ou apenas pensam um pouco e o suficiente para ficarem "fulos da vida".

Portanto os reflexos das reflexões, dependendo do tipo de reflexão que se faça, acabam por incomodar mais do que a própria ideia ou conceito sobre o qual nos debruçamos. Nem tanto o ato criminoso nos incomoda, mas o fato de perceber que ele existe, é real, todos sabem que existe, a lei define bem claramente o que pode e deve ser feito àquele que infringe, e que tudo fica apenas no "um dia, quem sabe, isso tome um rumo", como se apenas esperança resolvesse o problema. Esse reflexo cáustico e doloroso, esse sim, inflige, um sentimento de profundo desconforto e intranquilidade. Por mais sério e contido que você possa ser, há certos momentos que a paciência parece reduzir-se a um tênue fio de linha presa a dois pesos de aço. O que desrespeita impõe-nos uma dor íntima muito grande, tão intensa, que depois de algum tempo nos damos conta de que tudo nada mais foi que reflexo de um instante de suprema lucidez.

Não sem razão, certa ocasião, ouvi (ou li, não me lembro ao certo) a frase que ficou marcada em minha memória: "Excesso de lucidez cega". Talvez tenha sido uma frase de uma novela. Não importa. Mas eu tenho que dar a mão à palmatória: que cega, cega! E como doi!

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