sexta-feira, 25 de março de 2011

Nem Kafka acreditaria

A conversa de bastidores da mídia, do governo, do Congresso Nacional, é menos a quantidade injustificada de corruptos de frequentam o ambiente e mais os motivos que levaram o Judiciário de postergar a decisão da Lei Ficha Limpa para um momento seguinte mais oportuno. Eu não vou entrar no mérito jurídico, porque não sou advogado. Se tanto sou um porcaria de um cidadão perplexo testemunhando uma imensidade de notícias odiosas e impensáveis sobre tráfico de influência, de dinheiro em pacotes sendo entregues a congressistas, gente com passado pra lá de nebuloso se candidatando (e assumindo) seus postos nos vários setores do governo, a porrada do crime comendo solta pelas ruas, a vida valendo menos que um monte de cocô de cachorro, e tendo que ficar absolutamente mudo, quieto e estarrecido. Este cidadão aqui tá pra lá de Marrakesh mesmo! Se me colocam em camisa-de-força e me internam, será pouco. A loucura que tomou conta de nossas vidas cotidianas é muito mais surreal e real do que o mais genial dos ficcionistas poderia imaginar e conceber como obra literária. Hoje, se Kafka estivesse vivo, certamente ao morrer seu desejo de ver sua obra destruída seria amplamente acatada sem reservas. Nem teria sentido imaginarmo-nos virando inseto. Afinal, Brasilia está infestada deles. Grandes, gordos, insaciáveis. Nem Camus teria condições de continuar com o espanto de seu Mersault em O Estrangeiro.Vidas Secas, de Graciliano Ramos já pontuava, naquele tempo, a situação esdrúxula por que vivia o nordestino brasileiro. Terá mudado alguma coisa nessas últimas décadas? E olha que já viramos o século faz algum tempo. Os coronéis continuam deitando e rolando regras de conduta e procedimentos para manterem vivos e sob controle os seus feudos. As capitanias hereditárias continuam tais e quais eram nos tempos que a Coroa Portuguesa controlava este país. Mudamos? Mudou algo? Em que pé, afinal, estamos? A melancolia e certo pessimismo que me anuvia a mente faz sentido na medida que observo que nem mesmo eu verei uma vida pública e política saudável e voltada exclusivamente para o bem-estar do cidadão. Esse mesmo cidadão que paga imposto, que é, aliás, obrigado, oprimido, coagido a pagar impostos. De outra maneira como é que o governo poderia manter a sua máquina administrativa gastadora funcionando? Vez ou outra uma notícia de que alguns trens estariam sendo postos em funcionamento num projeto quase utópico de tornar o transporte ferroviário bom, decente e barato. Continuo a acreditar em Papai Noel. Sim, porque na medida que o anúncio vem - e toda a comitiva governamental atrás do porta-voz a falar - é diametralmente calculado o efeito que isso fará nas mentes dos cidadãos para a próximas eleição. Depois, tem a história das pesquisas que medem os níveis de aceitação e/ou rejeição do político. Quer queiram ou não a verdade é que eles dependem dessa maratona verborrágica e marqueteira para continuarem vivos no cenário nacional. Após o evento "Lula Aqui" onde os números de aceitação extrapolaram quaisquer presunções contrárias da oposição, ficou estabelecido o padrão lulista: faça tudo que for preciso fazer para manter-se no poder, mesmo que seja preciso mentir, maquiar, fingir, puxar tapetes, cordões de influências e o diabo a quatro. Em política, vale tudo. Há quem diga que tem muita gente que até vende a mãe. E o pior é que entregam a encomenda. Este cidadão, hoje, necessariamente, não confia nem em pesquisas nem em verborragias com falso brilho de inteligência. O termômetro deste cidadão está no preço do etanol, que está emparelhado com a gasolina, no alimento nas prateleiras dos supermercados, no custo dos serviços públicos cobrados e nebulosamente calculados sempre a favor da operadora. Enfim, este cidadão aqui custa a crer que tenha chegado à idade que chegou e ainda ouça ecos do seu pai falando sobre carestia, inflação, etc, etc. Bem maquiados os números, continuamos a bancar a ação perdulário do governo enquanto pagamos indiscriminadamente tudo que nos cobram, centavo por centavo. Melhoraram os cenários e as paisagens, mas o espírito medieval dos senhores de feudos continua vivo e atuante. Diria mesmo irretocável. Creio mesmo que Kafka ficaria tão assustado que não teria volúpia para escrever histórias fabulosas nem criar uma linha literária aclamada e elogiada pelos críticos e leitores. Certamente morreria anônimo, aposentado a ganhar uma merreca de salário, longe dos luxos e mordomias que grassam por ai, e assombrado tanto quanto o seu Joseph K. quando se deparou transformado, talvez, numa grande, gorda e repugnante barata.

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