terça-feira, 25 de agosto de 2009

A falha

Existe desde os primórdios da consciência humana. Quem é que não falhou na vida? Quando se estabeleceu a meta, calculou-se o objetivo e visualizou-se o resultado, e no final, quando tudo parecia inevitavelmente certo eis que acontece um imprevisto, um fato novo, algo que não estava programado, e tudo vai por água abaixo.
A falha humana, o erro de cálculo, a decepção depois de avaliar as consequências do inesperado. Não tem sensação mais desagradável que a falha, a derrota ainda que momentânea mas bastante forte para causar um impacto destruidor. Um soco na boca do estomago. A certeza de que todo o esforço envidado se perdeu, foi em vão.
Mas a falha também nos mostra quão imperfeitos somos, principalmente àquelas pessoas que fazem com que suas vidas sejam pautadas apenas por ações notáveis, perfeitas, intocáveis. No alto da sua superestimada avaliação pessoal elas se consideram maravilhosamente competentes. O mundo feito por Deus é imperfeito, elas - criaturas de Deus - muito pelo contrário. Contudo o fracasso também faz parte do jogo, da investida que diariamente praticamos em direção ao fim comum. A vida, em si, é uma longa caminhada que tem início e fim estabelecidos; não por nós, mas por um conjunto de leis que extrapolam a nossa compreensão.
A falha humana é um erro do qual precisamos tirar proveito e aprender com ele. Todo erro é factível, não ser humano infalível - nem mesmo o Papa, ainda que a súmula da Igreja Romana diga o contrário. Esse detalhe é discutível e podemos desenvolver, a seu tempo, uma reflexão sobre ele, mas que exigirá um outro momento.
Para agora, o melhor a fazer é refletir sobre a falha não genérica nem impessoal, não discutir sobre os desvios de percurso disto ou daquilo, mas falar sobre a falha que convive conosco no cotidiano, a palavra inadequada, o gesto apressado e impensado, o olhar de censura, a perda de controle de uma situação, um encontro que se faz e que poderia ser evitado ou, melhor, um encontro que se podia evitar e que por presunção ou teimosia acaba acontecendo com reflexos nada favoráveis. Tudo isso é um aspecto abrangente da falha, da falta de atenção, da iniciativa precipitada e desastrosa que poderia ser evitada.
Falhar qualquer um falha. Do mais anônimo cidadão á mais expressiva autoridade, ela não discute o caráter hierárquico, até porque está incrustada na condição humana e na sua capacidade de tomar decisões que podem resultar em sucessos ou fracassos. São essas decisões que atormentam a alma do ser humano. Quantas não foram as vezes que se pretendeu transferir esse momento crucial para outra ocasião? O medo gera a insegurança, que gera a inquietação, o suor profuso, a ansiedade, as pupilas dilatadas e a sensação de que o tempo se congelou. É o medo de que não dê certo, logo, medo de falhar.
É da natureza humana assumir posições, opiniões, pertencer a um grupo, ser aceitou ou repelido, mas com a agravante de que temos a consciência disso. O animal em bando acaba sendo apenas um membro biológico daquele grupo, baseado no seu instinto e não em considerações racionais e filosóficas. Nós, muito pelo contrário, agimos de forma deliberada e consciente. Às vezes não muito consciente, mas com a presumida suspeita de que poderemos estar agindo sem saber ao certo se os resultados consequentes serão bons ou ruins. Mas temos a certeza palpável de que poderão ser bons ou ruins.
A falha é, em algumas ocasiões, fatal e irrecorrível. A falha numa mesa cirúrgica pode representar a vida ou a morte. A falha num cálculo numa espaçonave pode acarretar o sucesso da empreitada ou o fracasso trágico.
Falha é sinônimo de fracasso, de desprestígio, de perda de status, uma nódoa curricular, um olhar mais prolongado de censurada por esta ou aquela comunidade, o passaporte do fracasso profissional e outras sequelas prováveis. A pior das falhas é aquela que não se pode rever e consertar. Aquela que deixará marcas para o resto de nossas vidas. A nossa sociedade tem vivido entre as faixas mensuráveis entre a falha presumida e a falha deliberada. E essa aspecto cruel podemos observar amiúde na composição da célula chamada família onde o ato falho é um eufemismo para riscos previsíveis e evitáveis que, ainda assim, são produzidos às pencas pelas atitudes nem sempre responsáveis das pessoas.
Não há falha mais dolorosa e triste que a familiar, aquela que só vamos perceber quando os fatos acumulados por décadas não têm como ser retroagidos e alterados. A maturidade humana traz a sabedoria, mas até que se chegue a esse nível satisfatório de lucidez muitas coisas que poderiam ser trocadas por outras deixam de acontecer. E muitos não chegarão à maturidade para refletir sobre os erros e acertos cometidos.
Mas fiquemos por enquanto neste ponto. Falemos sobre outros aspectos por conta de ser um tema extenso, complexo e repleto de alternativas.

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