quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Para tudo há uma explicação

Nada acontece por acaso. Todo fato tem sua conseqüência, e todo gesto irresponsável é passível de juízo.
O que acontece hoje conosco, como país e como povo, não é casual nem um deslize caprichoso de alguma divindade. Há os que crêem em Deus, outros em deuses. Há os que crêem em dinheiro e poder e em nenhuma restrição moral, desde que não magoem os seus sentimentos, nem os melindrem.
Mas de modo geral, se atentarmos bem para o que acontece – e os noticiários diários são unânimes em render longas laudas explicativas ao assunto –, veremos que um fedor muito grande se propaga rapidamente para todos os lados. O mau cheiro é insidioso, ofensivo, incomodo e desconfortável. Não que necessariamente haja corpos mortos espalhados pelo país; não, não há de um jeito explícito; há, porém, no aspecto retórico da palavra. Uma metáfora que ganha corpo e se recrudesce dia após dia.
O Senado é a casa que detém poder. A ele recaem várias atribuições, onde algumas se destacam e têm peso. Compete a ele julgar o chefe-maior, o vice, ministros de estado, comandantes das Forças Armadas, membros do Conselho de Justiça; cabe-lhe escolher Ministros de Tribunais de Contas indicados pela Presidência, diretores do Banco Central, Procuradores Gerais da República; ele autoriza operações financeiras externas e internas, dos Estados, Territórios, do Distrito Federal; estabelecer limites da Presidência, dispor de limites globais, eleger Conselhos da República, avaliar o funcionamento do Sistema Tributário Nacional e daí vai.
Como se vê, o Senado tem muito poder. Poder de decidir, de incidir, de atuar, de destoar, de fazer e desfazer. E esse mesmo local de tanta concentração de poder fede. Fede muito. E não bastasse o fedor que exala, ainda tem a capacidade de gerar lucidez dentro de alguns de seus membros que, cambiantes e enxovalhados, com um mínimo de decoro e pudor, vêm a público e declaram que a casa está ruindo. Que lhe falta credibilidade. Que a orgia inicia a sua trajetória descendente.
O senador Pedro Simon, um dos últimos baluartes da decência, declara em alto e bom som, que tem vergonha de voltar a Porto Alegre (sua cidade). Vergonha? Por isso é que se pode dizer da sua conduta decente: ele ainda tem vergonha. A mesma que conduz o infausto condenado a subir os degraus do cadafalso e a arrepender-se dos pecados cometidos em outros tempos – quando ainda era um mero mortal suscetível de erros e de fraquezas. A mesma vergonha que teria que nortear a vida política dos senhores legisladores e que, contudo, passa ao largo e se escarafuncha em lamaçais contíguos às suntuosas instalações de seus gabinetes providos de ar condicionado, de um número quase inverossímil de servidores, toda essa opulência gastadora e perdulária custeada pelo sacrifício absurdamente alto de toda uma nação anônima que vive à margem, que é convidada por força e por imposição a participar desse festim, deixando de ter saúde decente para sustentar os maravilhosos serviços médicos que esses representantes, e seus familiares, desfrutam; deixando de ter transporte digno para bancar, dura e irrevogavelmente, os carros oficiais e os fretes particulares de suas excelências, porque eles são, de fato, seres iluminados e detentores do privilégio de viverem além da vida e da morte. Mas nem por isso deixam de exalar esse fedor horrível que sufoca e faz-nos engasgar.
Que se remexa no fundo das gavetas de suas vidas “impolutas”, e não se poderá garantir que as mãos venham do mesmo jeito que entraram. Ou que do fundo dessas gavetas mal arejadas haja algum tipo de vida que não seja aquela que se compraz com o ranço e o bolor, com manchas tão arraigadas às paredes internas dessas gavetas insuspeitas, que mesmo o mais forte dos alvejantes é incapaz de tornar as paredes das gavetas como eram originalmente.
Assim é o coração, assim é a alma, assim é a hipocrisia e o som rascante e dúbio de suas vozes nas tribunas a imiscuírem-se das responsabilidades, mas pressurosos em encontrar explicações e justificativas para isentarem-se de quaisquer culpas. Mercê a pressão da consciência, essa a única que fará efetivamente o papel de juiz, nada se lhe poderia obrigar a renderem-se aos fatos e àquela admissão honrosa de erros cometidos e de um arrependimento honesto. Antes, o mau cheiro decorre da putrefação da própria desfaçatez com que se conduzem, aureolados por honrarias que não lhes conferem mérito, drapejados por galardões que maculam o espírito do prêmio, e que faz com que o verdadeiro herói seja sempre aquele anônimo que se deu em prol da causa e do valor justo. Não terá sido diferente a reação dos fariseus aparvalhados, quando se deram conta, naquele momento, de que aquele que expirava no Gólgota era, de fato, o Filho do Deus que eles diziam acreditar, mas que repeliram sistematicamente por medo e por arrogância, por orgulho e por preconceito.
Até onde possa se compreender o que são, os políticos mostram-se tão distantes e diáfanos à realidade circundante, como se fossem, repito, seres iluminados e designados por alguma divindade caprichosa e parcial.
Por que os privilégios de ficaram acima da lei e da ordem?
Por que serem blindados por regras que servem para protegê-los de suas cafajestadas, e que ao povo resta apenas acreditar no sobrenatural e na intervenção divina tardia?
Qual, realmente, o espírito da Justiça? Onde cabe o direito do que governa e do que é governado?
As nossas ruas e avenidas já não têm a segurança e o frescor dos tempos de nossos avós. E quando um senador diz que “Getúlio saiu da vida para entrar para a História; e que Lula saiu da História para entrar para a vida”, ele diz que não há mais a mística de que o homem público seja digno representante de uma nacionalidade. Antes, ele – homem público –, se transmudou numa figura patética sem escopo moral e sem dignidade. Os seus interesses pessoais e íntimos cauterizaram-lhe a clareza do raciocínio e tornaram-no em apenas um espectro de algo que ganhou forma e tomou gosto pela opulência, pelo poder, pelo estar acima de qualquer julgamento, das carteiradas do “sabe com quem está falando?”, e o completo distanciamento dessa arraia-miúda que, assim como no longínquo 1789, se ergueu e tombou a Bastilha, incitada por vozes de comando que apenas confirmavam o que suas opacas vidas traduziam em miséria, ostracismo, repulsa por parte da realeza que os governava.
Caía o absolutismo e seu alheamento às coisas chãs para dar lugar aos revolucionários que fariam com que as coisas voltassem a ter sentido.
Como a semeadura fora feita, era imprescindível que a colheita fosse levada a cabo. Liberdade, Fraternidade e Igualdade eram as razões pelas quais o povo erguia sua voz e clamava um “Nós estamos vivos!”.
Certamente que para tudo há uma explicação. E se de um lado havia uma consciência política de que apenas um tem o direito ao poder absoluto, expurgando-se o feudalismo e o direito aos privilégios herdados por nascença, todo sentido passava a existir ao se execrar das mentes a idéia de isolamento que aquela realeza utilizara, dando lugar à busca (realmente difícil, quase utópica) de uma igualdade de direitos.
Nada mais claro e evidente do que acontece nos rincões das Terras de Santa Cruz – este Brasil, cuja designação se atribui, de forma simplista, ao pau-brasil –, mas que tem origem ainda mais profunda, podendo ser eco das entranhas celtas como das fenícias. Quantos feudos ainda resistem? Quantas fortalezas à semelhança da Bastille se negam a pisar o verdadeiro chão?
Não sem razão o fedor cresce, porque a volúpia excedeu-se a si mesma. Tomar o governo e coroar-se governante não é suficiente. Querem mais. Extrapolam e usam os atributos para tornar fáceis todas as coisas que teriam que ser garimpadas à força de suor, lágrimas e cansaço. Os caminhos facilitados geram a corrupção, o tráfico de influencia, a transação de favores, desde que se cumpra o dito de que “uma mão lava a outra”, distorcendo o sentido dos ditados, incorporando sentido dúbio e questionável às tarefas mais modestas, e o que era para ser exemplar e pleno de virtudes se mostra tenebrosamente cruel, injusto e faccioso.
Os fatos da vida estabelecem a sabedoria, que de humanidade se reveste e se perpetua. Assim como os filósofos, que pensam e concebem teorias e idéias, tanto mais o homem que é ser pensante também concebe conceitos e vive acreditando neles, morre por eles, equivoca-se por eles.
Disse Rousseau:
“O primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: "Isto é meu", e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdido se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém"
Sim, para tudo há uma explicação. Às vezes não muito clara, nem tão óbvia, mas o tempo, esse senhor de pertinaz eficiência e perseverança imorredoura, cumprirá os seus desígnios, e nada será tão inevitável quando isso.

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