quinta-feira, 22 de abril de 2010

Repensando ideias

Se pararmos um pouco para pensar, sem o impulso ou a pressa que quase sempre atrapalham o bom raciocínio, veremos que somos, em potencial, criadores e artistas, mesmo que sem pretensão de sê-lo. Nós somos, em essência, artistas. Kafka escreveu uma linda história sobre o artista da fome. Hemingway, num pequeno livro, contou a aventura e a luta de um velho pescador e o mar. Camus levou alguns anos para escrever um pequeno livro que falava de um sujeito que era um "estrangeiro" no meio de seus pares. Todas elas frutos de momentos pensados ou de anos a alimentar uma análise simples, mas objetiva, de tudo que cerca o ser humano do nascimento à morte.
Posso dizer, sem assombro, que a minha e a sua vida são, na medida da consciência que temos dela, um roteiro a ser explorado. Horas há que paramos e concebemos, num lapso de tempo curtissimo, a sinopse de uma história, que se não anotada, se perde entre as inumeráveis ideias que temos no cotidiano, afogadas e consumidas pelas angústias e preocupações que rondam e engolem a nossa criatividade.
Eu acredito que seja um escritor. Acredito porque nunca publiquei regularmente nada. Mas as ideias vêm com a mesma fluidez e desaparecem na mesma proporção, desde que me dei conta de que tinha certa facilidade em trabalhar as palavras. Uma virtude angustiante, admito. Nem sempre o que pensamos naqueles instantes de meditação e desapego do trivial consegue sobreviver às interrupções e à realidade.
Por serem fluidicas e luminiscentes como as efemérides, as ideias precisam ser, a rigor, anotadas sempre que nos assaltam. Eu sei que teria que fazer isso, mas quase sempre elas me assaltam quando estou longe de papel e caneta. A memória guarda por algum tempo, mas a mediocridade da rotina e da mesmice faz com que elas sucumbam no limbo do esquecimento. Eventualmente podem ressuscitar. Uma hipótese provável, mas não de todo conclusiva. Fica-se na probabilidade, apenas.
Uma boa história surge de uma questão elementar bem simples: ela não é longa, não tem muitos detalhes técnicos - dai ser diferente do grande romance recheado de informações e histórias paralelas -, e ao começar já prenuncia um final muito rápido. Um bom exemplo de histórias rápidas e sem enchimento de linguiça são os contos de Hemingway. De repente um conto pode ser escrito num segundo e não ter mais que uma página e meia. Nem por isso deixará de ser um conto, uma história, um flash. Dependendo do que se pretenda falar, um flash é bem a definição do conto fulminante e curto.
Por isso é que digo que todos nós podemos ser, e implicitamente somo, artistas. À nossa maneira, sem as pretensões editoriais, sem a busca desenfreada por sucesso, sem o compromisso de chegar ao topo, à fama, até porque o papel do artista é fundamentalmente exteriorizar o que o incomoda no íntimo. Na verdade todo artista, ao criar, está vomitando algo que precisa pôr para fora. Ou se asfixia.
Perdoem-me o linguajar, mas não há modo melhor de expressar o que acontece no momento exato da criação, essa forma exclusiva que se tem para gestar alguma coisa que terá que ser expelida num tempo maior ou menor. Um filho que se traz ao mundo exterior. Um pedaço de nós que deixamos de ter, uma exclusividade que passa a ser de todos, de forma incondicional.

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