quinta-feira, 15 de abril de 2010

Erich Maria Remarque e o Gato Amarelo

Capitulo Oito.
O livro nos fala da verdadeira imagem de um mundo pintado de atos heróicos e romantismo exacerbado.
Afinal, ir à guerra era, quando muito, ação digna dos verdadeiros guerreiros do Valhala.
Nada mais estúpido e mentiroso.
E no capítulo oito nós enxergamos com bastante clareza o verdadeiro sentimento do autor diante da constatação dos fatos: a guerra é um ato imbecil orquestrada por imbecis que se escondem atrás de seus gabinetes.
Os olhos do autor percorrem os homens à sua frente, que correm feito ratos de duas pernas atrás de comida nos lixos imundos dos campos de retenção.
Ele próprio já presenciara o terror e a insanidade nas trincheiras. Já vira companheiros morrerem. E gente tão nova que não chegou a completar vinte anos, e foram ceifados pelo fogo devastador do inimigo.
Mas o que me prendeu mais a atenção foi a descrição objetiva de Remarque a descrever como esses prisioneiros perigosissimos agiam a buscar na imundicie do lixo aquilo que lhes serviria de comida. E a imaginação me faz viajar àquela região da mente onde "Eu Imagino" como seja sentir fome, sede, frio, medo e desamparo, sabendo que - talvez - nunca mais volte a rever as pessoas que mais se ama.
O coração encolhe e sangra. Um nó na garganta é só um detalhe. A fome de atenção e carinho são bem mais virulentos e cruéis do que a própria consciência de que não se comeu nada há dias.
A fome é tão instigante e presente que não dá para se recusar migalhas, que se tornam banquete, ainda que em outros tempos se tenha desperdiçado o que nesse momento presente é apenas um sonho com retoques de pesadelo.
Recordar o que foi; arrepender-se de coisas feitas que poderiam ser evitadas; ter a capacidade de rememorar um passado que, mesmo intocável, atormenta e machuca; a fome dos prisioneiros que Erich Maria Remarque descreve não é mais ou menos competente do que muitos cidadãos dos dias atuais passam à margem da grande metrópole, dos shoppings iluminados e impecavelmente limpos e cheios de encantamento, das belas e monumentais pontes multicoloridas que se tornam cartão postal, mas que escondem, à sombra de suas colunas majestosas, as formas sub-humanas que andrajosamente caminham à procura de algo para saciar a fome.
E tem o gato amarelo. Grande, bonito, de olhos verdes e focinho com manchas amarelas, o rabo felpudo, o miado como se quisesse falar algo incompreensível aos nossos ouvidos. A aproximação foi difícil, porque era arisco e tinha medo. Mas um chamamento singelo, que ele entendeu à sua maneira, fez com que se aproximasse e se permitisse ser acarinhado. Em retribuição, aconchegou-se no braço, abraçou as pernas, estendeu as patas dianteiras apoiando-se nas patas traseiras, enrodilhou a cabeça no côncavo da mão - a pedir carinho e afeto - e recebeu uma tigela de ração, que vem se estendendo por esses dias todos.
Os homens do livro e o gato amarelo têm algo em comum: a fome. A fome que faz com que se sujeitem a quase tudo. Mas a fome que vai além da mera ração que alimena o corpo é a pior de todas. Aquela que corrói o íntimo, que resseca as entranhas, que faz a vida tornar-se um imenso deserto escaldante e árido. Cada dia é uma aventura, uma epopéia, a necessidade imperiosa de resistir e continuar vivendo com dignidade.
Aqueles homens "têm rostos que nops fazem refletir: são rostos bonachões de bons camponeses, testas largas, narizes largos, lábios grossos, mãos grandes e cabelos crespos. É gente para arar a terra e ceifar e colher maçãs. Têm um ar ainda mais inofensivo que os nossos camponeses da Frígia" é como descreve E.M.Remarque a falar dos prisioneiros russos famintos.
Assim como o "Meninão", o gato amarelo, que ronda a minha casa e pede migalhas de alimento e intensos e sinceros momentos de afeto e carinho, que nunca recebeu pelo visto, assim é o ser humano: faminto de comida e de afetividde. Coisa que a guerra, com toda propriedade, destrói com competência.








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